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83 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 83-106, jun. 2008
Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental: estudo
exploratório com os profissionais dos Centros de Atenção
Psicossocial de Goiânia/Go
(Mental health workers’ mental health: an exploratory study with professionals
in Psychosocial Attention Centres in Goiânia, Goiás State)
(Salud mental de los trabajadores de salud mental: estudio explo-
ratorio de los profesionales de los Centros de Atención Psicosocial de
Goiânia/Go)
Elisa Alves da Silva
*
Ileno Izídio da Costa
**
Resumo
Este artigo trata-se de estudo das relações de (des)cuidado que
permeiam o cotidiano de trabalho e influenciam a saúde mental
dos profissionais de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em
Goiânia/GO. Foram formados três grupos com 22 trabalhadores
de diferentes categorias profissionais. A metodologia foi a pesquisa-
ação, e o instrumento os grupos operativos de reflexão. Os dados
obtidos foram examinados através da análise de conteúdo. Foram
destacadas quatro categorias: experiências de cuidado com o cuida-
dor, relações interpessoais, sofrimento psíquico e dificuldades e
desafios em atuar no novo modelo de atendimento em saúde
mental. Observamos que a saúde psíquica perpassa a complexidade
das relações de (des)cuidado que são estabelecidas com o próprio
profissional, com o outro (usuários e colegas de trabalho) e com a
instituição (organização do trabalho). Há uma necessidade de
investimentos e ações que privilegiem o cuidado com a saúde
mental desses profissionais e integrem uma política pública voltada
ao servidor da saúde.
Palavras-chave: Relações de cuidado; Profissionais de saúde; Saúde
mental; Reforma psiquiátrica; Centros de atenção
psicossocial.
.
Texto recebido em outubro/2007 e aprovado para publicação em maio/2008.
*
Psicóloga, mestre em Psicologia Clínica e Cultura pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, membro
do Grupo de Intervenção Precoce nas Psicoses – GIPSI/UNB, e-mail:
[email protected]
**
Doutor em Psicologia Clínica, professor adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, MA em
Filosofia e Ética da Saúde Mental (Inglaterra), coordenador da Clínica Escola (UnB) e do Grupo de Intervenção
Precoce nas Psicoses (Instituto de Psicologia – UnB), e-mail:
[email protected]
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Elisa Alves da Silva, Ileno Izídio da Costa
Abstract
This article presents an investigation of the care(less) relations that
permeate daily work and influence the mental health of
Psychosocial Attention Centres (CAPS) professionals in the city
of Goiânia, Goiás State, Brazil. Three groups were formed with
twenty-two participants representing different professional
categories. The adopted methodology was research-action
combined with operational groups. A content analysis of the
obtained data was carried out. Four categories were emphasized:
care experiences with the care professionals at work, personal
relations, psychic suffering and the difficulties and challenges to
work with the new mental health care model. As a result, it was
observed that the psychic health experience permeates the
complexity of care(less) relations established with professionals,
others (clients and work colleagues) and the institution (work
organization). The research shows the need for investments and
actions giving priority to the professionals’ mental health issue, as
well as an adequate public policy with that purpose.
Key words: Care relations; Health professionals; Mental health;
Psychiatric reform; Psychosocial Attention Centers.
Resumen
Este artículo trata de un estudio de las relaciones de (des)cuidado
que permean en el trabajo cotidiano e influyen en la salud mental
de los profesionales de los Centros de Atención Psicosocial (CAPS)
de Goiânia/GO. Se formaron tres grupos de 22 trabajadores de
diferentes categorías profesionales. La metodología fue la pesquisa-
acción, y el instrumento los grupos operativos de reflexión. Los
datos obtenidos fueron examinados a través del análisis de
contenido. Se destacaron cuatro categorías: experiencias de cuidado
con el cuida-dor, relaciones interpersonales, sufrimiento psíquico
y dificultades y desafíos de actuar en el nuevo modelo de atención
de salud mental. Observamos que la salud psíquica pasa por la
complejidad de las relaciones de (des)cuidado que se establecen
con el propio profesional, con el otro (usuarios y colegas de trabajo)
y con la institución (organización del trabajo). Son necesarias
inversiones y acciones que privilegien el cuidado de la salud mental
de esos profesionales e integren una política dirigida al servidor de
la salud.
Palabras-clave: Relaciones de cuidado; Profesionales de salud;
Salud mental; Reforma psiquiátrica; Centros de
atención psicosocial.
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
idéia central deste artigo é discutir as vivências das relações de (des)cuidado,
1
permeadas no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde mental,
trabalhadores de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
O trabalho desenvolvido nos CAPS emprega uma transformação do modelo
assistencial em saúde mental preconizado pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica
Brasileira. Esse movimento trouxe ao campo da saúde mental novas formas de
divisão de tarefas com a equipe de trabalho, criando responsabilizações e encargos
aos profissionais de saúde (Silva, 2005). Além disso, preconiza uma transformação
nas políticas públicas de saúde mental, na (re)inserção do usuário na comunidade
e, por conseqüência, no modo de trabalho desenvolvido pelos profissionais
(Amarante, 1996; Bezerra Jr., 1994; Silva, 2005).
O ato de cuidar e as atividades desenvolvidas pelos cuidadores estão
presentes ao longo da história e retratam a preocupação com a qualidade de
vida dos seres humanos (Boff, 1999; Madalosso, 2001; Migott, 2001). Desde
então, o exercício do cuidado também permeia o trabalho dos profissionais de
saúde, podendo assim ser denominados de cuida-dores
2
da saúde física e psíquica
das pessoas que precisam de auxílio. Dessa maneira, a atenção psicossocial
disseminada no campo da saúde mental resgata as atuações relacionadas a essas
práticas de cuidado e reinventa o modo de ser e agir dos trabalhadores em
saúde no cuidado com o outro.
Acreditamos que assumir o compromisso de um novo paradigma, no
que tange ao cuidado da saúde mental, é uma forma de responsabilidade em
relação à produção da saúde e da vida num sentido mais amplo; é apostar
numa mudança que privilegie a humanização, o acolhimento e a cidadania
dos usuários e, por suposto, também dos profissionais envolvidos nessa
realidade. Assim, o presente trabalho pretende enfatizar este último caminho.
Reforma psiquiátrica
O percurso histórico no campo da saúde mental no Brasil tem sofrido
transformações importantes nas duas últimas décadas. Esse movimento recebeu
a denominação de Reforma Psiquiátrica, e tem como um dos seus principais
objetivos estabelecer a crítica aos pressupostos da psiquiatria com seus modelos
de controle e normatização do transtorno mental. Nesse sentido, a Reforma
A
1
Durante a realização desta investigação percebemos que, no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde, existem
relações que perpassam pelo cuidado e descuidado pessoal, institucional e relacional. Assim, consideramos o uso deste
termo mais adequado para a realidade que encontramos.
2
A utilização deste termo é para marcar, claramente, o que a palavra, por si só, já traz como possível conceito. Cuidador
reflete, em princípio, o cuidar da dor, seja física ou emocional.
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Psiquiátrica traz como característica principal a implementação do argumento
dos direitos e da cidadania das pessoas que sofrem de transtornos mentais
severos, bem como a necessidade de mudanças no agir profissional, social e
cultural em relação à loucura.
3
De acordo com Ribeiro e Gonçalves (2002,
citado por Garcia & Jorge, 2006) a “reforma psiquiátrica ultrapassa as normas
técnicas, científicas, administrativas, jurídicas, legislativas, constitui-se em uma
mudança da sociedade no lidar com a loucura” (p. 766, grifo nosso).
Dessa forma, a atual política de saúde mental brasileira segue os
pressupostos da Reforma Psiquiátrica, conforme vem acontecendo em vários
países do mundo nos quais é proposta a mudança do modelo assistencial, ou
seja, a substituição do modelo asilar (hospitalocêntrico, manicomial) para o
modelo psicossocial (comunitário). Ocorre então o processo denominado
desinstitucionalização, implicando a desospitalização para a construção de uma
rede de serviços alternativos, redirecionando os recursos governamentais ao
atendimento comunitário (Bezerra Jr., 1994; Amarante, 1996).
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
O campo da saúde mental atualmente encontra-se bastante
comprometido com a atenção psicossocial. Com as transformações ocorridas
nas políticas de saúde mental, principalmente após as regularizações das portarias
nº 189/91, nº 224/92 e nº 336/02 e da implementação da Lei nº 10.216/01
pelo Ministério da Saúde, novos dispositivos de atenção psicossocial foram
incorporados à rede de atendimento à saúde.
Nessa direção, surgem os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que
aparecem como principal estratégia do processo da Reforma Psiquiátrica, sendo
instituições criadas com compromisso de acolher os usuários com transtornos
mentais, oferecendo atendimento médico e psicológico, apoiando-os nas suas
iniciativas de busca de autonomia (Ministério da Saúde, 2004).
As intervenções clínicas são de responsabilidade de toda a equipe envolvida
com a pessoa em atendimento, tendo como meta de trabalho a atuação da prática
interdisciplinar. Ainda dentro da proposta de reinserção social do usuário, Guljor
(2003) ressalta que as intervenções não são realizadas somente no espaço institucional
e que as comunidades são locais de cuidado considerados privilegiados, por isso
vários são os arsenais usados para essa mudança de paradigma.
3
Consideramos importante ressaltar este termo para reafirmar que a desconstrução das práticas de cuidado envolve também
o questionamento do conceito de loucura e da forma generalizada que é repassada a toda sociedade. Dessa maneira,
adotamos a consideração feita por Costa (2003), em que o autor apresenta o termo loucura “(...) sob uma perspectiva
mais ampla, multicausal, multidisciplinar e questionadora” (p. 21).
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
É importante ressaltar que, além de todas as mudanças de atenção ao
cuidado com a saúde mental, bem como as novas estratégias criadas nos serviços,
ainda ocorrem (des)construções e os desafios são constantes nesse cotidiano.
Mesmo com os avanços conseguidos, os campos de elaborações e de constatações
das insuficiências estão abertos, pois as práticas desse novo paradigma não são
fechadas e cristalizadas. É um serviço que está em construção, podendo-se
constatar contribuições de outras experiências de reformas instaladas em outros
países.
Relações de cuidado no cotidiano dos profissionais de saúde mental
O verbo cuidar, em português, está relacionado à atenção, cautela,
vigilância, prevenção, zelo. Representa, na realidade, uma atitude de
preocupação, ocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o ser
cuidado (Boff, 1999; Remen, 1993; Waldow, 1998).
Boff (2005), ao ratificar as relações entre as pessoas, esclarece: “Cuidar
implica ter intimidade com elas, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-
lhe sossego e repouso. [...] Mais que o logos (razão), é o pathos (sentimento),
que ocupa aqui a centralidade” (p. 31).
Dessa forma, surge a necessidade de novas atuações relacionadas à prática
de cuidados, priorizando mudanças na maneira de ser e agir, proporcionando
aos profissionais de saúde caminhos que também possibilitem um viver mais
saudável. Fortuna (2003) afirma que “trabalhar na saúde revisa nosso modo de
ser e de viver, nos reinaugura no instante em que nos coloca em contato com
o modo de ser e de viver do outro: é que eles (os usuários) nos mostram pelas
suas, as nossas dores” (p. IV).
Nesse processo há questões éticas fundamentais, sendo que a ética no
campo da saúde remete à ética de cuidar da vida, ou seja, do outro e de nós
mesmos (Silveira & Vieira, 2005).
O agir ético e técnico deve vir acompanhado desde a formação
profissional, revelando a importância de se ter um compromisso com a profissão
e com a comunidade que solicita os serviços (Lunardi et al., 2004; Nogueira-
Martins, 2003).
Segundo Cerqueira (1996), no campo da saúde mental, é possível notar
ainda mais o distanciamento entre a assistência e o ensino, “onde uma série de
propostas e novos dispositivos são pensados, construídos, mas seus profissionais,
em sua maioria, continuam se formando nas velhas práticas” (p. 60). É preciso
ensinar as bases teóricas, mas ao mesmo tempo introduzir novos cuidados e
relações.
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Trabalho e saúde mental
Diversos autores afirmam que o trabalho pode ser um desencadeador de
saúde ou de doença, de bem-estar e de prazer, e até mesmo de desestruturação
mental e loucura (André & Duarte, 1999; Dejours, 1987; Lunardi & Lunardi
Filho, 1999; Patrício, 1996; Ramos, 1997). Nesse sentido, a prática laboral
depende da relação estabelecida entre o indivíduo e o trabalho, podendo ser
vivenciada como “indesejada, labuta penosa e humilhante”, ou, ao contrário,
pode ser “algo que dá sentido à vida, que eleva o status, define a identidade
pessoal e impulsiona o crescimento humano” (Rodrigues, 1991, citado por
Migott, 2001, p. 30).
A transformação de doenças do trabalhador para doenças do trabalho,
segundo Vasques-Menezes (2004), representa um importante marco, passando
a reconhecer o meio laboral como um fator de adoecimento, excluindo a
responsabilidade do trabalhador e responsabilizando o trabalho. Contudo,
seguir somente essa linha de pensamento pode tornar o processo de adoecimento
impessoal, afastando o trabalhador de sua identidade individual e inserindo-o
em categorias e dados epidemiológicos, “destituindo-o de seu contexto e de
sua historicidade” (p. 22).
Nos estudos que Le Guillant (1984, citado por Lima, 2004) realizou no
campo da Psicopatologia do Trabalho, os quadros clínicos desenvolvidos nos
trabalhadores pelas condições de trabalho envolvem diversos fatores
psicossociais. O que ressalta de pronto a importância de articular as condições
sociais, as condições de trabalho e os fatos clínicos preservando o indivíduo na
sua singularidade (Lima, 2004). Dejours (1987) defende que a organização do
trabalho é responsável pelo sofrimento mental do profissional. Por sua vez,
Tittoni (1994) enfatiza a temática da subjetividade e procura analisar o
sofrimento baseando-se nas experiências e vivências que cada pessoa adquire
no ambiente de trabalho. Autores como Lima (2004) e Vasques-Menezes (2004)
levam em consideração tanto a organização do trabalho quanto a subjetividade,
não descartando a importância de cada fator. Defendem um modelo de análise
mais complexo, o que parece mais apropriado por não fragmentar aspectos
relevantes e por ser um modelo mais completo e abrangente (psicossocial)
para o ser humano.
Assim, a categoria trabalho apresenta-se como um fator relevante na saúde
mental do indivíduo e atua diretamente como fonte de saúde-doença, prazer-
sofrimento, satisfação-insatisfação, dentre outras. Nesse sentido, a análise do
trabalho perpassa não somente pela organização do trabalho mas também pela
multiplicidade das relações objetivas e subjetivas que se estabelecem no cotidiano
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da relação trabalho-trabalhador. Dessa maneira, fica clara a complexidade
existente no sentido da resolutividade de todas as relações que estão inseridas
no contexto de trabalho.
Políticas públicas em saúde mental do trabalhador
Com relação ao campo da política de saúde mental, os princípios e
diretrizes preconizam a valorização da importância do trabalhador de saúde
mental na produção do ato de cuidar. Para isso, no Relatório da III Conferência
Nacional de Saúde Mental no ano de 2001, foram discutidos os instrumentos
para construção e consolidação de uma política adequada de recursos humanos
que fosse coerente aos princípios da Reforma Psiquiátrica. Essas ações são
necessárias e devem garantir aos profissionais os seguintes programas
estratégicos: capacitação e qualificação continuada; remuneração justa aos
profissionais; garantia de condições de trabalho e de planos de cargos, carreira
e salários; democratização das relações e das discussões em todos os níveis de
gestão, contemplando os momentos de planejamento, implantação e avaliação;
garantia de supervisão clínica e institucional; avaliação de desempenho e garantia
da jornada de trabalho adequada para todos profissionais de nível superior;
desenvolvimento de estratégias específicas para acompanhar e tratar da saúde
mental dos trabalhadores de saúde; criação de programas de saúde mental no
âmbito da administração municipal para os funcionários e servidores portadores
de sofrimento psíquico (Ministério da Saúde, 2001).
Existem programas e projetos já ratificados no campo das políticas públicas
para os trabalhadores de saúde, mas parece haver ainda uma lacuna entre a
realidade prática das ações e as necessidades detectadas. Ramminger (2005),
em sua pesquisa realizada sobre os trabalhadores de saúde mental, verificou a
existência de poucas ações voltadas à saúde do servidor público e falta de políticas
públicas organizadas para esse setor. Assim, justificou que o não-investimento
nessa área reflete nos atendimentos desses serviços, ficando somente ao encargo
de cada gestor o funcionamento e o acolhimento das questões relacionadas à
saúde no trabalho.
Percurso metodológico
Para o percurso metodológico, optamos pela pesquisa-ação em função
de seu duplo objetivo (Barbier, 2002): modificar a realidade e produzir
conhecimentos relativos a essas transformações. Com isso, os pesquisadores e
participantes se envolvem de modo cooperativo e participativo e são
representantes da pesquisa realizada (Thiollent, 1996).
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Para realização do trabalho de campo, foi feito contato com a Divisão de
Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, com os
Coordenadores de Equipe de alguns CAPS e com toda a equipe dos três CAPS
selecionados.
Foram formados três grupos, com representantes de diferentes categorias
profissionais (Arteterapia, Artista Plástica, Assistente Social, Enfermagem,
Musicoterapia, Professor de Educação Física, Psicologia e Psiquiatria),
totalizando 22 profissionais. Cada grupo teve um número de encontros
diferentes, variando entre sete e nove, com duração de cerca de uma hora. O
período de realização dos encontros dos grupos foi de setembro a dezembro de
2005.
O instrumento selecionado para o desenvolvimento da pesquisa-ação
foi o grupo operativo de reflexão, e as técnicas definidas entre pesquisador e
participantes foram as leituras de textos relacionados ao tema Saúde Mental
dos Profissionais de Saúde, seguidos de discussões, reflexões e questionários
com a presença de todos os participantes. Outra técnica foi a utilização de
dinâmica grupal e vivências que possibilitassem a reflexão em torno da atuação
profissional e como estavam sendo vivenciadas as relações de (des)cuidado no
plano institucional e também pessoal por esses profissionais. Ficou estabelecido
por todos os grupos que esses encontros deveriam ser intercalados entre leituras
e discussões de textos.
Organizando e analisando os dados
Utilizamos o método de Análise de Conteúdo (Bardin, 1977) para analisar
os dados, uma vez que este se propõe a evidenciar opiniões, críticas, julgamentos,
reações afetivas nos relatos e vivências que os participantes tiveram nos
encontros. Em face da imensa quantidade de dados, empregamos o
levantamento quantitativo da freqüência das categorias tão-somente para
selecionar os discursos mais recorrentes, fazendo assim um recorte factível para
o objetivo desta investigação.
Para Franco (2003), o processo de organização da análise de conteúdo
envolve as seguintes fases: a) pré-análise; b) núcleos temáticos e categorização;
e c) ordenação dos dados obtidos por meio das definições de temas e categorias.
Na pré-análise faz-se a escolha do material coletado e a leitura flutuante.
Assim, os nossos materiais escolhidos foram os registros transcritos dos encontros
com os grupos de profissionais de saúde. Após isso, inicia-se a categorização,
considerado procedimento essencial da análise de conteúdo, visto que faz a
ligação entre os objetivos da pesquisa e seus resultados. A categorização
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
semântica é definida por categoria temática, pois todos os temas que possuem a
mesma significação ficam agrupados em uma mesma categoria (Bardin, 1977;
Franco, 2003). Desse modo, o critério adotado neste trabalho foi o de análise
de conteúdo por categorias temáticas (Franco, 2003).
As reflexões: implicações das relações de (des)cuidado vivenciadas no
cotidiano de trabalho
A análise dos dados evidenciou várias categorias, demonstrando que a
saúde mental do trabalhador envolve diversos fatores: objetivos e subjetivos,
além de ser pouco problematizada em pesquisas e por ações que integrem uma
política pública ao servidor da saúde.
A ordenação dos dados descritos e obtidos será exposta por categorias
temáticas, indicadores/temas e respectivas freqüências. Para identificar os temas
mais recorrentes, utilizamos a análise quantitativa. Foi verificada a quantidade
de menções nos discursos dos participantes e dada a freqüência de cada tema.
A escolha de algumas verbalizações foi feita pelos pesquisadores, nas quais
identificamos os discursos mais significativos que demonstrassem clareza da
realidade exposta nos depoimentos dos outros participantes. Para tanto,
apresentamos quatro quadros por categoria selecionada:
Quadro 1
Considerações sobre os momentos e vivências de cuidado da saúde mental do
profissional no ambiente de trabalho
Indicadores/Temas Freq.
- Momentos de cuidado da saúde mental no trabalho são considerados
esporádicos: equipe não possui tempo para o cuidador. 26
- Equipes com necessidade de um tempo maior para discussão dos casos
atendidos e os sentimentos neles envolvidos. 19
- Supervisor técnico precisa ser externo à equipe de trabalho, acolhedor e ter
conhecimento sobre o funcionamento dos CAPS. 12
- Reconhecimento de que é preciso cuidar de si para cuidar do outro
gerando melhor atuação profissional. 8
- Grupos de reflexão e de estudos são considerados necessários para
crescimento e amadurecimento da equipe. 6
Total 71
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Quadro 2
Relações interpessoais e trabalho em equipe
Indicadores/Temas Freq.
- Dificuldade e necessidade de melhorar as relações interpessoais no trabalho. 22
- Apoio da equipe proporciona sentimento de alívio, ajuda no desempenho do
trabalho e é considerado como espaço de cuidado. 19
- Necessidade de qualificar o tempo de trabalho e da reunião de equipe. 11
- Conflitos interpessoais são amenizados com supervisões de profissionais
externos à equipe de trabalho. 10
- Equipe considerando-se intolerantes, exigentes, perfeccionistas e não
acolhedores com colegas de trabalho. 8
Total 70
Quadro 3
Sofrimento psíquico
Indicadores/Temas Freq.
- Angústias e preocupações no envolvimento com sofrimento do usuário. 19
- Sentimento de angústia, decepção, frustração e raiva quando o tratamento
não atende expectativas do profissional e quando a família do usuário
não adere ao tratamento. 13
- Dificuldades nas relações interpessoais de trabalho. 11
- Atuação no papel de técnico referente gerando preocupação,
responsabilização e angústia. 6
- Insatisfações e desmotivações com a baixa remuneração, dupla jornada
de trabalho, falta de reconhecimento no trabalho. 6
Total 55
Quadro 4
Dificuldades da atuação profissional no novo modelo de
atendimento em saúde mental
Indicadores/Temas Freq.
- Necessidade de capacitação aos profissionais trabalhadores dos CAPS. 18
- Políticas públicas dificultando atuação profissional: falta de suporte
da rede de atendimento. 9
continua
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
- Dificuldades da equipe de trabalho na atuação interdisciplinar. 8
- Não conhecimento dos profissionais de outras áreas em relação à atuação do
Prof. Educação Física na saúde mental. 5
- Dificuldades de trabalhar com alguns colegas que não estão preparados
tecnicamente para atuar na saúde mental. 6
Total 46
Considerações sobre os momentos e vivências de cuidado da saúde mental
do profissional no ambiente de trabalho
As experiências de programas e vivências relacionadas à saúde mental do
trabalhador se revelaram como momentos escassos no cotidiano laboral, ou seja,
existe uma lacuna nas ações voltadas à atenção da saúde do profissional. Nos
CAPS pesquisados, foram identificadas poucas ações de cuidado no ambiente de
trabalho com relação aos participantes. Podemos incluir nesse quadro a precária
atenção dada a essas prioridades, tanto por parte da equipe quanto dos próprios
gestores. “Nós precisamos ser francos com a gente mesmo. Na verdade, esses
espaços de cuidado com a saúde mental da gente são espaços tão dispersos que
fica difícil de ver onde eles estão” (Musicoterapeuta).
Ramminger (2005) considera que o acolhimento (ou não) das questões
relacionadas à saúde mental do profissional depende, muitas vezes, do
funcionamento e das diretrizes de cada serviço. Entretanto, mesmo que gestores
e equipes evidenciem essas responsabilidades, é inegável que também há a falta
de políticas públicas que priorizem esses momentos no trabalho.
Um espaço que seja adequado às discussões e que possibilite apreender os
sentimentos envolvidos nos casos atendidos aparece como sugestões de cuidado com o
trabalhador. Poder-se-ia, nesse espaço, criar momentos para se construírem as
práticas interdisciplinares, compartilhar as dificuldades cotidianas e contar com
o apoio da equipe.
A gente chega aqui e cada um já tem seu grupo formado com o
colega de profissão e não temos muito tempo para trocas. São só
nos casos mais extremos que levamos os casos para reunião técnica
e nessas horas vemos que há uma necessidade de trocas de
experiências. (Arteterapeuta)
Nesse aspecto, os participantes apontaram os grupos de reflexão e de estudos
como uma opção estratégica para melhorar o cotidiano de trocas e saberes entre os
profissionais. Os grupos de estudos parecem ser importantes no cotidiano dos CAPS
por diminuir a lacuna da falta de preparo que alguns profissionais sentem na atuação
continuação
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Elisa Alves da Silva, Ileno Izídio da Costa
nos CAPS, até mesmo com informações básicas sobre as propostas da reforma
psiquiátrica e as formas de atendimento, colocando os profissionais em maior
sintonia de pensamentos, críticas, avaliações e objetivos comuns.
Com relação às supervisões técnicas, os participantes avaliaram que o (a)
profissional que irá coordenar precisa ser externo(a) à equipe de trabalho e necessita
conhecer o funcionamento dos CAPS. Um atributo relevante é o de que esse(a)
supervisor(a) tenha uma atitude de acolhimento com a equipe, mostrando-se
aberto(a) para conhecer a experiência de trabalho da equipe e as relações
estabelecidas, com uma atitude de respeito e consideração pelo trabalho desenvolvido.
É ainda necessário que se tenha conhecimento sobre questões relativas à
organização de trabalho e saúde do trabalhador.
Durante os relatos, alguns profissionais reconheceram a importância de
cuidar de si para cuidar do outro. Sentem que atuam melhor no trabalho e nos
atendimentos quando estão bem consigo mesmos, com uma disponibilidade
maior em cuidar do outro (usuário). Essa consciência de cuidar de si faz-se
mais presente quando há um caso que exige mais subjetivamente do profissional
ou quando a saúde física começa a ser prejudicada.
Cada unidade dessa que eu trabalhava eu fui ver o quanto era
importante a saúde do cuidador. Eu percebia assim muito
claramente a diferença daquele cuidador que tava num momento
de mais compromisso com ele mesmo, a diferença até de resposta
dele com o menino que ele cuidava. (Psicóloga)
Machado (2006) sinaliza que o reconhecimento do próprio cuidado com
a saúde possibilita a transformação do modo de trabalho, podendo conduzir o
profissional a uma nova construção da identidade e, portanto, contribuindo
para auto-realização no cuidado de si e do outro.
Relações interpessoais e trabalho em equipe
As relações interpessoais aparecem como um fator de relevância no
ambiente de trabalho. Houve relatos que se contrapunham às experiências que
cada profissional vivenciava na equipe. Observamos dois posicionamentos: ao
mesmo tempo em que a atuação em equipe era sentida como um ponto de
apoio, de alívio e de espaço de cuidado, eram feitas queixas de conflitos
interpessoais, de injustiças na responsabilização pelo trabalho e de dificuldades
para se chegar a um consenso.
A equipe cumpre um papel fundamental para produção do trabalho nos
CAPS, pois “na busca de um modelo que rompesse com o paradigma
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
manicomial, a noção de equipe era determinante” (Guljor, 2003, p. 146). Nesse
sentido, apontamos, como a autora, para o fato de que a construção do novo
modelo de assistência em saúde mental pressupõe uma atuação mais plural por
parte dos profissionais. Dessa forma, “a equipe é um dos atores principais dessa
configuração” (p. 85). “Eu, por exemplo, quando eu coloco uma angústia, alguma
coisa que está me desagradando na reunião, que compartilho com a equipe e que
resolve, não deixa de ser um cuidado comigo, eu tô trabalhando mais tranqüila,
alivia mais o dia-a-dia.” (Psiquiatra)
Por esse motivo, a equipe surge como uns dos instrumentos-chave no cenário
dos CAPS. Em todos os encontros realizados por nós com os três grupos, o assunto
das relações entre os profissionais fazia-se presente durante as discussões, dando a
entender que, tomando-se por base esses relacionamentos, a divisão de trabalho
que eles estabelecem e o espaço já instituído nas reuniões já citadas, são constituídos
o agir e a produção dos resultados no trabalho. Sendo assim, “não é difícil imaginar
que o entrelaçamento de visões distintas gera conflitos”, como também traz o
enriquecimento e o desafio de construir “estratégias baseadas em pactuações do
grupo”, conseqüentemente, desenvolvendo a clínica institucional, fruto dessa
dinâmica de relações (Guljor, 2003, p. 85).
Os participantes avaliaram as supervisões com profissionais externos(as) à
equipe como uma estratégia importante na resolução dos conflitos das relações
interpessoais. Desse modo, as verbalizações demonstraram que as supervisões
desempenham papel fundamental na coesão e integração da equipe.
Após alguns encontros com os grupos pesquisados, algumas pessoas
começaram a relatar suas percepções em relação ao modo de funcionamento de sua
equipe. Indicaram as características que dificultavam as relações interpessoais,
como, por exemplo, a intolerância com colega de trabalho, a exigência no
sentido de que o colega tenha os mesmos comprometimentos, conhecimentos
e responsabilizações, e o não-acolhimento dos colegas que se mostravam pouco
produtivos.
A minha sensação desse funcionamento nosso é como de um trem
mesmo, eu tô num trem numa velocidade e aí chegaram as pessoas,
por exemplo, nossos colegas chegaram numa reunião que o “pau
tava quebrando”, e então não deu pra dizer assim: “olha, bem–
vindos”, lindos, né?, não dava! Todo mundo falou rapidamente
“oi, tudo bem?”; todo mundo falou, né?, mas continuou o “pau
quebrando”. Não tem nada disso de acolhimento. (Psicóloga)
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Elisa Alves da Silva, Ileno Izídio da Costa
No relato dos participantes parecia não existir uma flexibilidade de alguns da
equipe em relação aos trabalhadores que não possuíam uma implicação e
disponibilidade aos objetivos e projetos preconizados pela reforma psiquiátrica.
Ramminger (2005), em sua pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores da saúde
mental, mostra que alguns profissionais se esforçam para se adequar às exigências
de outros colegas. Para a autora, dois caminhos diferentes podem abrir espaço
para o adoecimento: o de não encaixar-se no modo de trabalho que a equipe de
saúde mental exige e o aparecimento do trabalhador-militante, que, por seu
envolvimento afetivo, sobrecarrega e desgasta o cotidiano de trabalho, por exigir
mais tarefa e esperar que o colega também se responsabilize tanto quanto ele.
Ressaltamos que a tomada de consciência das características citadas
anteriormente, percebidas por alguns profissionais, foi importante para o processo
de mudança do olhar e agir com o colega que está inserido no mesmo ambiente de
trabalho, o que possibilitou novas atitudes na relação com a equipe.
Sofrimento psíquico
Sabemos que em qualquer relação humana há mobilizações de conteúdos
psíquicos que ativam afetos e representações que se estabelecem nos vínculos,
e assim não é diferente o contato/vínculo entre profissional e usuário,
profissional e profissional, profissional e instituição (Fraga, 1997).
Logo, na análise dos dados, identificamos nas verbalizações dos
participantes indicadores de sofrimentos psíquicos que são vivenciados no cotidiano
de trabalho, envolvendo as seguintes relações: profissional-usuário, profissional-
profissional (relações interpessoais) e profissional-instituição (organização do
trabalho), sendo que a relação profissional-usuário aparece mais enfatizada e
mobilizadora de fortes sentimentos.
Sinto também muito esse sofrimento, sinto essa angústia e me sinto
muito mal, porque eu quero ajudar ele (usuário). Eu acho que
aqui a gente se envolve até mais, conversa mais com os pacientes e
até leva esses problemas com a gente, fico pensando o que eu posso
fazer, como ajudar, é muito sofrido. (Enfermeira)
Ter um espaço, como já proposto pelos participantes na categoria
anteriormente citada, para que os profissionais de saúde aprendam a lidar com
questões emocionais geradas pelo ambiente de trabalho, pode contribuir para
o alívio de tensões. Osório (2003) corrobora com essa idéia ao afirmar que a
equipe precisa ser estimulada a reciclar conteúdos e sentimentos relativos ao
trabalho, tendo por base sua própria competência relacional.
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
Outro fator de sofrimento relacionado à relação profissional-usuário ocorre
quando o tratamento planejado que o profissional faz (tanto do usuário quanto da
família) não atende ao esquema que ele espera, e, portanto, não corresponde a suas
expectativas e necessidades na relação estabelecida.
A atuação do profissional de saúde mental no papel de técnico referente do
usuário aparece, para maioria dos participantes, como causadora de maiores
responsabilizações durante o tratamento, o que resulta no aumento de
preocupações e angústias.
A forma como eu me ligo a determinados usuários me faz sofrer às
vezes, principalmente quando sou referente. Durante um bom
tempo a minha relação com um determinado usuário foi muito
complicada, primeiro porque eu me interessei muito pelo caso e
depois porque eu me sentia responsável por diminuir aquele
sofrimento, sabe? (Prof. Ed. Física)
No indicador dificuldades nas relações interpessoais de trabalho existem
mobilizações de sentimentos na relação profissional-profissional, demonstrando
que esse aspecto também merece atenção no cotidiano de trabalho. Como foi
visto na categoria anterior, o convívio relacional é fonte de apoio bem como
de conflitos. Portanto, “a falta de integração da equipe e de espaços de escuta e
reflexão podem ser identificados como fatores que contribuem para o
adoecimento dos trabalhadores” (Ramminger, 2005, p. 85).
A baixa-remuneração, a dupla jornada de trabalho e a falta de reconhecimento
no trabalho produzem insatisfações e desmotivações ligadas ao exercício
profissional, gerando sofrimentos ao lidar com a realidade em que o profissional
de saúde está inserido no atual momento de nossa sociedade.
Pensar no sucateamento da saúde, entende? Eu acho que isso é a
maior causa, sabe? É um dos fatores que mais faz o profissional de
saúde sofrer. [...] A gente perde a qualidade de vida, de saúde
mesmo, da condição de trabalho. (Musicoterapeuta)
Os participantes se sentem desmotivados com o seu campo de atuação
na saúde, com as condições materiais, financeiras e psicológicas que precisam
enfrentar no cotidiano do ambiente laboral e, conseqüentemente, devido ao
sofrimento produzido por essas adversidades. Essas situações, no entanto, fazem
parte da organização do trabalho, estabelecendo o vínculo entre profissional-
instituição.
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Elisa Alves da Silva, Ileno Izídio da Costa
Dificuldades na atuação profissional no novo modelo de
atendimento em saúde mental
Durante os relatos nos grupos, houve concordância entre todos os
participantes, no sentido de que há, de fato, necessidade de investir em programas
que possam capacitar os profissionais a atuar no campo da saúde mental. Percebemos
que as demandas para a implantação das capacitações são mais reivindicadas
por trabalhadores recém-chegados ao serviço, pois, inicialmente, até mesmo
pela falta de preparação durante a formação, ficam inseguros e confusos. Isso,
muitas vezes, gera dificuldade de integração na equipe e insegurança no agir
com o usuário.
Cheguei aqui há pouco tempo e no momento me sinto confusa,
sem saber direito como aproveitar as coisas que eu sei. [...] Tem
pouco tempo que estou trabalhando aqui no CAPS e também na
área da saúde mental. E eu ando sentindo que eu levo muita coisa
pra casa, dos usuários daqui, deve ser o começo, né?; porque acho
que depois eu devo acostumar. (Artista Plástica)
Nos encontros percebemos também dois grupos com diferentes formas
de atuação: de um lado, havia profissionais experientes, que fizeram a opção
por aturarem em um novo modelo assistencial e acreditaram no trabalho que
estavam desenvolvendo; de outro lado, profissionais sem experiência do campo
da saúde mental, ou seja, com dificuldade para lidar com a clientela do CAPS
escolhido, tendo em vista os objetivos que foram traçados pela reforma
psiquiátrica. Nesse processo, houve relatos de profissionais insatisfeitos com
projetos ou não-compatibilização com a entrada de outros colegas, o que faz
com que algumas equipes tenham maior rotatividade de profissionais. Uma
das razões apontadas para esse fato foi o pouco investimento na capacitação da
equipe.
Outra questão refere-se às limitações dos serviços relacionados ao campo da
saúde mental e, sobretudo, das ações de suporte social na rede de atendimento.
Esse é, particularmente, o fator apontado pelos participantes como um
bloqueador da atuação profissional, gerando descrédito no papel desenvolvido
pelas políticas públicas.
A atuação interdisciplinar entre os participantes foi considerada como
um caminho a se conquistar, uma trajetória que a equipe tenta fazer; no entanto,
ainda encontram dificuldades nessa prática.
Os participantes representantes da área da educação física relataram a
ausência de conhecimento que os profissionais dos CAPS deveriam ter, referente à
atuação do professor de educação física no campo da saúde mental. Esse dado
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
sinaliza as dificuldades do diálogo entre as áreas da saúde e educação e também
diz respeito à prática interdisciplinar e à troca de saberes, como visto
anteriormente.
O indicador dificuldades de trabalhar com colegas que não estão preparados
tecnicamente para atuar na saúde mental reflete alguns dos obstáculos no
relacionamento entre a equipe e a carência de capacitação para os profissionais
atuarem no campo da saúde mental. Essa situação impede a integração da
equipe e facilita a formação dos subgrupos.
Aliam-se a esse quadro as dificuldades que se estabelecem na equipe pela
falta de preparo e capacitação de alguns profissionais e a ausência de políticas
públicas que consigam modificar tal situação. Portanto, é prioritário que os
serviços desenvolvidos na atenção psicossocial sejam avaliados na tentativa de
identificar as intervenções possíveis, a fim de “resgatar o que há de instituído
em nossas práticas, para diferir e produzir novos modos de agir, novas estratégias
de intervenção/invenção” (Silveira & Vieira, 2005, p. 99).
Considerações finais
O Movimento da Reforma Psiquiátrica evidencia a importância da construção
de espaços para problematização e discussão do trabalho em saúde mental, criando
novos dispositivos de atenção psicossocial ao atendimento do usuário. Assim, o
foco deste artigo esteve voltado à reflexão e à vivência das práticas de cuidado e os
desafios enfrentados pelos profissionais nesse novo campo de atuação.
Neste estudo várias categorias profissionais estiveram representadas em
todos os grupos. Foi possível perceber que os participantes mais recentes (um
mês a um ano) apresentaram maior disponibilidade em aprender e conhecer
sobre o campo de trabalho, no entanto sentiam-se mais inseguros, ansiosos e
preocupados com relação aos atendimentos, já que não se sentiam preparados
para atuar nesse novo modelo de atenção psicossocial. Os profissionais que já
estavam há mais tempo (dois a quatro anos) se mostravam mais descrentes e
insatisfeitos com os órgãos públicos e com as poucas ações voltadas para a área
da saúde mental, porém acreditavam nas propostas da reforma psiquiátrica.
Nos documentos referentes às ações de atenção à saúde do trabalhador
que foram incorporados ao discurso do movimento da reforma psiquiátrica
encontramos uma preocupação desse movimento com a saúde mental dos
profissionais, existindo diretrizes que apontam para a necessidade do
desenvolvimento de estratégias para acompanhar a saúde mental do trabalhador.
No entanto, perante as regulamentações pesquisadas, a estruturação dessas
ações ainda estão no patamar de planos a serem implementados.
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Elisa Alves da Silva, Ileno Izídio da Costa
Com relação aos espaços de cuidado com a saúde mental do trabalhador,
instituídos nos locais de trabalho, conforme apontado pelos participantes,
cumprem papel de destaque a equipe, a supervisão e a capacitação. A integração
da equipe permeada pelos bons relacionamentos interpessoais, com reuniões
para discussão de casos e práticas do serviço, contribui para o sentimento de
apoio e realização com o trabalho. Diante disso, é preciso lembrar que dentro
desse novo campo de atuação, a reunião de equipe constitui um instrumento
de conquista importante para o espaço do trabalhador.
O tema trabalho em equipe e relações interpessoais esteve presente em todas
as categorias selecionadas para este estudo. Logo, a equipe de trabalho é tida
como um dos instrumentos-chave no cenário dos CAPS. No modelo de
atendimento psicossocial, preconizado pela Reforma Psiquiátrica, aparecem
novas formas de divisão de tarefas entre a equipe que demandam mais
responsabilidades e encargos, como, por exemplo, o papel de técnico de
referência, tão comentado pelos participantes dos grupos. Desse modo, a criação
de momentos que permitiam a reflexão e a avaliação dos serviços que cada
equipe desenvolve em sua unidade gera integração entre os profissionais e maior
clareza do trabalho desenvolvido e, conseqüentemente, resultados mais
enriquecedores.
A supervisão foi avaliada, pelos participantes, como suporte tanto para
os atendimentos quanto nas relações interpessoais, garantindo a continuidade
do trabalho e das dificuldades encontradas. Consideraram, que, para um melhor
aproveitamento, os (as) profissionais responsáveis pelas supervisões deveriam
ser externos(as) à equipe de trabalho. Porém, esses(as) profissionais precisam
de conhecimento sobre o modo de funcionamento dos CAPS, da organização
do trabalho, da saúde do trabalhador, além de uma atitude de acolhimento e
respeito pela equipe.
Os participantes apontaram outra função importante da supervisão:
amenizar o sofrimento psíquico a que estão sujeitos no cotidiano laboral.
Sofrimento psíquico neste estudo foi expresso por referências a angústias,
preocupações, decepção, frustração, dificuldades nas relações, responsabilização
excessiva, insatisfações e falta de reconhecimento, dentre outros. O espaço da
supervisão reservado aos participantes contribui para o alívio desses sentimentos.
O papel da capacitação e qualificação continuada foi considerado pelos
profissionais como auxiliar da formação técnica para atuar no campo da saúde
mental, permitindo a eles o mesmo acesso de informação, o que reflete maior
entrosamento entre equipe e melhor desenvolvimento no trabalho.
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Saúde mental dos trabalhadores em saúde mental
Notamos que um dos motivos da carência do conhecimento das novas
práticas instituídas no campo da saúde mental é devido aos cursos de formação/
graduação que, em sua maioria, são voltados para o modelo biológico e
medicamentoso, e não atualizam as novas formas de atenção à saúde. Assim,
grande parte das instituições de ensino se apresenta desatualizada para as
exigências do mercado profissional na área de saúde. Desse modo, fazem-se
necessárias reformas curriculares, com o objetivo de reduzir o distanciamento
entre a teoria e a prática, demandando a inserção do tema saúde mental como
conteúdo permanente.
Outro ponto importante foi detectar que os profissionais de saúde não
são formados e incentivados para pensar neles mesmos enquanto cuida-dores
e, conseqüentemente, como pessoas que também necessitam de cuidados.
Durante o curso de graduação, principalmente na área de saúde mental, o
profissional precisa ter a oportunidade de aprender e ampliar habilidades que
contribuem para sua autopercepção, desenvolvendo a consciência e o agir éticos.
Além desse descomprometimento entre os profissionais, existe a falta de
políticas públicas que integrem ações à atenção da saúde do trabalhador de
saúde mental. Nesta investigação, foi possível evidenciar que não estão
efetivamente regulamentadas a estruturação e a sistematização de políticas e
ações voltadas à saúde dos trabalhadores. De tal modo, foi enfatizada a
necessidade de uma política do desenvolvimento dos serviços substitutivos,
com os devidos recursos financeiros voltados a essa área, como forma de
consolidar o movimento da reforma psiquiátrica. Como vimos, a falta de
estruturação dessas ações reflete no cotidiano desses serviços.
As condições de trabalho vivenciadas pelos profissionais de saúde também
revelam o descrédito com o reconhecimento desses profissionais. A baixa
remuneração e a dupla/tripla jornada de trabalho confirmam esse descaso. A
maioria dos participantes relatou ter dupla jornada de trabalho e não considera
que a remuneração seja justa. Não podemos deixar de citar que essa realidade,
por si só, desmotiva e decepciona a atuação na área da saúde, tornando o
vínculo estabelecido entre profissional-instituição enfraquecido, uma vez que
esta dimensão influencia a vida pessoal cotidiana do trabalhador. Assim sendo,
é indispensável a regulamentação de investimentos e verbas destinadas à
implantação de programas voltados à atenção da saúde do trabalhador nos
serviços substitutivos.
Tomando como base de observação a experiência vivida com os grupos
de profissionais de saúde, evidenciamos que a construção de espaços para
discussões e reflexões das práticas de cuidado contribui para a percepção de
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Elisa Alves da Silva, Ileno Izídio da Costa
um novo fazer e agir. Esse novo olhar gera mudanças na atuação do profissional
com a equipe, com o trabalho desenvolvido com o usuário e consigo mesmo,
na forma de procurar identificar as atividades que proporcionam o equilíbrio
psíquico e emocional.
Por fim, ressaltamos a relevância dos serviços substitutivos como novo
campo de atuação profissional dentro da saúde mental. Com esta investigação,
esperamos ter discutido e contribuído para o repensar das práticas que vêm
sendo desenvolvidas e para as possíveis mudanças que necessitam ser
implementadas nessa trajetória.
No entanto, muitas outras dimensões precisam ser melhor pesquisadas,
para que possamos pensar a complexidade dessa realidade de forma mais
completa possível. Para além do recorte feito nesta investigação, dispomos, a
partir de agora, de outros materiais (dados) que deverão ser trabalhados para
desvelar, contribuir e aperfeiçoar esses mecanismos de ação em saúde mental.
Porém, tendo como centro o trabalhador que assim se prontifica, pois podemos
afirmar, conclusivamente, que são de fato pessoas especiais.
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