Enforsup - Avaliações Externas

Comunicação científica, sobre avaliações em escala e políticas de acesso ao nível superior.
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1 AVALIAÇÕES EXTERNAS NO BRASIL E NOS EUA: PERSPECTIVAS E ANÁLISE Autor: Érico Lopes Pinheiro de Paula Mestre em Educação pelo PPGE - Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) [email protected] Coautora: Natália Messina Mestranda do PPGE - Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) [email protected] RESUMO Com a pesquisa aqui relatada, identificamos conceitos de avaliação que sustentam os mecanismos SAEB, IDEB, ENEM, NCLB e SAT, bem como apontamos alguns objetivos educacionais declarados nessa literatura comparada. Questões norteadoras referiram-se a: como, na escola, são vivenciados os processos avaliativos? Quais as problemáticas e as complexidades que permeiam o meio educacional? Quais objetivos justificam os testes a que as escolas são submetidas periodicamente e a hierarquização entre as unidades que decorre desse processo? O objetivo geral da investigação foi o de revisar bibliografia e legislação que governam as políticas de avaliação em larga escala, a fim de relacionar as diretrizes e sintetizar os princípios pedagógicos. Trata-se de investigação básica, exploratória e qualitativa, caracterizada como revisão bibliográfica e análise documental. O método eleito permitiu analisarmos os textos e discutirmos o processo que naturaliza a política dos testes padronizados, a partir de referencial crítico, qualificando fins e meios, instrumentos e procedimentos a que estão vinculados. Os resultados foram importantes por contribuírem na interpretação sobre as relações que se estabelecem entre avaliação externa e educação escolar. Encontramos também elementos que apontam tendências claras, quando comparamos a experiência internacional, e corroboram a necessidade de aperfeiçoamento nos instrumentos que verificam a educação básica, ensejando a reflexão sobre os sistemas de avaliação e as políticas públicas a eles vinculadas. PALAVRAS CHAVE: Legislação educacional, políticas públicas, avaliação, educação básica. 2 INTRODUÇÃO Nossa comunicação relata revisão bibliográfica sobre o conceito de “avaliação”, nos documentos oficiais e literatura acadêmica a respeito do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Child Left Behind Act (NCLB) e Scholastic Aptitude Test (SAT). Julgamos importante aprofundar o debate acerca dos objetivos e resultados relacionados às políticas públicas de valorização da educação, no contexto nacional e internacional. Questões norteadoras referiram-se a: como, na escola, são vivenciados os processos avaliativos? Quais as problemáticas e as complexidades que permeiam o meio educacional? Quais objetivos justificam os testes a que as escolas são submetidas periodicamente e a hierarquização entre as unidades que decorre desse processo? Apontamos os objetivos educacionais declarados na literatura comparada – legislação oficial e produção acadêmica relacionada. O objetivo geral da investigação foi o de revisar os textos que governam as políticas de avaliação em larga escala, a fim de relacionar as diretrizes e sintetizar os princípios pedagógicos. Trata-se de investigação básica, exploratória e qualitativa, caracterizada como revisão bibliográfica e análise documental. O objetivo específico desse trabalho é expor as concepções de avaliação encontradas na legislação que institui as políticas de Avaliação Externa (AE), no Brasil e nos EUA. Na consecução desse objetivo fomos capazes de problematizar os conceitos de “avaliação”, a partir de literatura especializada, e oferecer interpretação sobre algumas consequências das AEs sobre a política de formação de professores. A partir de referencial crítico, discutimos o processo que naturaliza a política dos testes padronizados, qualificando seus fins e meios, instrumentos e procedimentos. Os resultados foram importantes por contribuírem na interpretação sobre as relações que se estabelecem entre AE e educação escolar, especialmente relacionada aos interesses neoliberais e neoconservadores (APPLE, 1995, 2005), bem como à resistência cotidiana por parte dos professores. Encontramos elementos que apontam tendências claras, quando comparamos com a experiência internacional, e corroboram a necessidade de aperfeiçoamento nos instrumentos que verificam a educação básica, ensejando a reflexão sobre os sistemas de avaliação e as políticas públicas a eles vinculadas. 3 PERSPECTIVAS SOBRE AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO A avaliação faz parte das nossas atividades cotidianas e está presente em diversas ocasiões ao longo do dia, por exemplo, em situações de compra, de tomada de decisão, escolhas de lugares, ações, emprego, passeios, profissão, entre outras. No âmbito educacional, organizada por indivíduos ou órgãos, a avaliação sempre foi uma temática repleta de significados e interesses, sendo realizada em diversos formatos. A avaliação tem sido tomada como um processo necessário para analisar o desempenho de alunos e instituições escolares de educação. Luckesi (2008) constata que a rotina escolar apresenta uma forma fetichizada, que pode ser sintetizada na expressão “pedagogia do exame”. As maiores consequências dessa opção didático-metodológica, segundo o autor, dizem respeito a: pedagogicamente foca o problema do ensino nas “provas”, psicologicamente desenvolve personalidade submissa nos alunos e sociologicamente reifica as pessoas mantendo hegemonia de classes. Nessa perspectiva, Luckesi (1999) afirma que a avaliação realizada nas escolas habitualmente é coercitiva, que causa sentimento de culpa nos alunos, pois remetem a uma classificação e consequentemente a uma comparação de desempenhos, reduzindo a relevância dos objetivos a serem alcançados, descartando principalmente a heterogeneidade dos avaliados. A realidade coercitiva não é vista apenas na perspectiva tradicional do fracasso escolar, já que elas “têm por objetivo avaliar o desempenho dos alunos, acabam servindo como ferramenta de controle do trabalho do professor” (VIEIRA, FERNANDES, p. 124). Segundo Dalben (2011), dois são os fundamentos para a ideologia das AEs: contexto de reestruturação econômica após 1990 e políticas de gestão baseadas na meritocracia. Apple (1995) denuncia esses princípios como os mesmos por trás do sistema social chamado de “modernização conservadora”, no qual a hiperliberdade dos mercados (neoliberalismo) é combinada com o hipercontrole do campo político e social (neoconservadorismo). O processo avaliativo apresenta grande complexidade estrutural e funcional, o que torna desafiante seu manejo. Diversas vezes é reduzido a mera realização de provas e atribuição de notas, fornecendo dados quantitativos que carecem de análises qualitativas (LIBÂNEO, 1991). Habitualmente os professores veem como ameaça certos procedimentos externos para verificação do processo ensino-aprendizagem (GATTI, 1987). Muitos são os questionamentos, sobre as vantagens de cada método avaliativo, bem como suas limitações. A 4 nota atribuída ao aluno remete à exata medida do conhecimento adquirido? Essa nota reflete, ou pode refletir, a qualidade da educação oferecida em sala de aula? Como um instrumento imprescindível para a compreensão da aprendizagem, as avaliações devem fornecer subsídio no intuito de orientar o trabalho docente em busca de maior profissionalidade, além de possibilitar tomadas de decisão sobre diretrizes e necessidades de gestão. Muitas vezes os dados quantitativos não são prescindíveis, embora sejam muitas as controvérsias, tanto nas avaliações da educação básica quanto em outros níveis. Comumente as avaliações passaram a conter análise qualitativa e crítica da prática, no sentido de apreender seus avanços, suas resistências, suas dificuldades, permitindo tomadas de decisão no intuito de superar os obstáculos (VASCONCELLOS, 1994). Na busca por uma melhor compreensão do cenário, Hadji destaca que esse instrumento tem como objetivo alcançar uma melhoria na qualidade do que acontece na sala de aula e na “construção desses saberes e competências pelos alunos” (1989, p. 86-7), tornando-se um meio auxiliador na prática do aprender. Porém as avaliações realizadas em âmbito escolar entre professores e alunos se diferenciam muito das AEs, realizadas em larga escala. Após contextualizar alguns fatores dessa temática, identificamos conceitos de avaliação que sustentam os mecanismos SAEB, IDEB, ENEM (contexto Brasil), NCLB e SAT (contexto EUA), bem como apontamos os objetivos educacionais declarados nessa literatura comparada. Utilizadas como instrumento orientador de políticas públicas educacionais, a estruturação das AEs, sua dinâmica de aplicação, os resultados alcançados e as consequências geradas por esses instrumentos, tornando-se um tema de constante discussão e crítica. Modernamente, surgiram na década de 1960 sob a responsabilidade da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), principal provedora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), onde a partir da década de 1990 a comparação do desempenho escolar de alguns países participantes passou a ser um elemento presente nas sociedades modernas. As ilustrações comparativas na forma de nivelamentos crescentemente ocorrem em muitos campos políticos e áreas de discussões. Geralmente, os resultados das influências da R&R [dos sistemas ranking and rating - um dos componentes essenciais para avaliar a força de trabalho de uma empresa] influenciam as futuras decisões dos estados, dos agentes de mercado e de indivíduos em geral (MARTENS, 2007, p.41) 5 A aplicadas em larga escala, as AEs devem abranger ao menos três fatores: do governo; da escola e do aluno. Com a interação destes elementos pressupõe-se a avaliação do sistema em sua totalidade, possibilitando planejamento e adequações das políticas públicas educacionais, com relevância social e acadêmica em todas as dimensões (formação docente, currículos, pesquisa, inserção social, entre outros). CONTEXTO BRASIL O Brasil é palco da aplicação de algumas avaliações institucionais e os principais exames possuem objetivos como: apurar a qualidade do ensino, identificar as necessidades e demandas do sistema. Entre os pesquisadores, existem os que acreditam ser um importante instrumento fundamental para a equidade no âmbito escolar. Também existem os que desconfiam de resultados e consequências, como a prática de hierarquização entre as escolas, que podem cultuar algo não desejável entre os alunos e a comunidade escolar. Diante da ampla escala de aplicação, muitos impasses administrativos e pedagógicos são gerados, pois com tantas desigualdades sociais, econômicas e culturais, um instrumento padronizado contemplaria contextos e necessidades diversas? Em um país de amplitude continental como o Brasil, o trabalho de elaborar exames nacionais que avaliem, selecionem e classifiquem um conjunto de pessoas torna-se complexo diante das particularidades existentes. Dificilmente conseguem acompanhar, em um espaço de tempo, a evolução e a construção do conhecimento pelos alunos. Não obstante, entender as dificuldades de aprendizagem na educação nacional é um dos motivos para que ocorram, utilizadas assim para pensar a educação do futuro. Para dar continuidade à discussão, apresentamos nessa seção o contexto em que foi implantado o sistema nacional (SAEB, IDEB, ENEM) de avaliação em larga escala. SAEB Segundo o portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o SAEB é composto por duas avaliações complementares. A primeira avaliação denominada de Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) é aplicada aos estudantes das redes públicas e privadas do país, matriculados no 5º e 9º anos do ensino fundamental e também no 3º ano do ensino médio. Os resultados são apresentados para cada Unidade da Federação, Região e para o Brasil como um todo. Já a segunda é denominada de 6 Avaliação Nacional de Rendimento Escolar (ANRESC), que configura-se como uma avaliação: aplicada censitariamente alunos de 5º e 9º anos do ensino fundamental público, nas redes estaduais, municipais e federais, de área rural e urbana, em escolas que tenham no mínimo 20 alunos matriculados na série avaliada. Nesse estrato, a prova recebe o nome de Prova Brasil e oferece resultados por escola, município, Unidade da Federação e país que também são utilizados no cálculo do IDEB. (INEP, 2011, p. 1). Aplicadas bianualmente, essas avaliações privilegiam as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Um questionário socioeconômico também é aplicado aos alunos participantes e à comunidade escolar. Alicerce das AEs nos anos 90, o SAEB objetivava realizar um levantamento mais amplo da realidade da educação brasileira para que futuras políticas educacionais fossem elaboradas de forma mais condizente com as demandas. As médias de desempenho subsidiaram o cálculo do IDEB e possuíam a pretensão governamental de auxiliar o “direcionamento dos seus recursos técnicos e financeiros às áreas prioritárias, visando ao desenvolvimento do sistema educacional brasileiro e à redução das desigualdades nele existentes” (INEP, 2011, p.1). Veiculando o culto ao ranqueamento, o MEC destaca que pode ser observado o desempenho específico das escolas participantes, comparando-as ao longo do tempo e tornando possível o acompanhamento da evolução dos desempenhos. Por outro lado, o portal do INEP salienta a necessidade de verificação cientifica da efetividade do SAEB como métrica para avaliar, construir e adequar políticas educacionais. IDEB Criado em 2007, o IDEB possui objetivos declarados de mensurar a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. Tal cálculo é baseado no desempenho do estudante em avaliações estandartizadas e em taxas de aprovação e frequência – o fluxo. Embora o objetivo governamental seja alcançar a nota 6 em 2022, o que corresponde à qualidade de ensino equivalente aos países desenvolvidos, no portal do INEP (2015, p. 1) os resultados do IDEB indicam que apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental alcançaram a meta estipuladas para 2014, com nota de 5,2 (a meta era de 4,9). Os anos finais obtiveram nota de 4,2, enquanto a meta era 4,4 e o Ensino Médio 3,7, contra os 3,9. 7 ENEM Criado em 1998 pelo MEC, o ENEM possui o objetivo declarado de avaliar as competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos que estão concluindo, ou já concluíram, o Ensino Médio. Previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, busca soluções em fatores educacionais problemáticos ainda presentes, como o reduzido número de vagas nas universidades públicas e o elevado número de concorrentes que as disputam. Com a intenção de ser uma avaliação diagnóstica individual, o ENEM a princípio foi um exame facultativo. Gradativamente as Instituições de Ensino Superior (IES), especialmente públicas, adotaram a nota do ENEM em seus processos de seleção. A partir de 2004, as notas obtidas foram utilizadas como critério para concorrer a uma bolsa no Programa Universidade para Todos (PROUNI) e em 2009 o exame passou por reformulação estrutural. O MEC disponibiliza às IES quatro modos diferentes de utilização das notas do ENEM: como prova única; substituindo a primeira fase do vestibular pelo ENEM; combinando a nota do ENEM com a do vestibular; utilizando a nota do ENEM apenas para as vagas ociosas. Atualmente mais de 500 IES usam o resultado dos alunos no exame como critério de seleção para o ingresso (BRASIL, 2015). Novamente observamos a prática de hieraquização. Apresentado como um instrumento de medição de qualidade das escolas, o ENEM tornou-se elemento de disputa entre as escolas, especialmente privadas, envolvendo questões de marketing e ideologia. CONTEXTO EUA Conforme visto na retrospectiva sobre a AE, políticas de mensuração em escala no contexto contemporâneo tiveram origem em iniciativas promovidas regionalmente nos EUA. No momento original, as políticas públicas visavam objetivos de hegemonia geopolítica. Atualmente, a composição neo-liberal-conservadora (APPLE, 1995) determina agenda em que elementos de mercado e de tradição moral também são perseguidos como objetivos educacionais. Os discursos produzidos pela hegemonia atuam condicionando a sociedade civil favoravelmente aos interesses daqueles mesmos grupos poderosos e minoritários. Para nós, importam algumas agudas constatações de Apple (2002) que escancaram as contradições implícitas no projeto neo-liberal-conservador, já com amplos reflexos na mentalidade brasileira (SODRÉ, 1990). 8 Para que os grupos dominantes possam exercer a sua liderança, é necessário que um vasto número de pessoas acredite que as representações da realidade veiculadas pelas pessoas com mais poder econômico, político e cultural fazem mais sentido do que as restantes alternativas. Os grupos dominantes exercem a sua liderança relacionando essas representações com os elementos de bom senso das pessoas e modificando o sentido profundo de conceitos fundamentais e das respectivas estruturas de sentimentos que fornecem as referências para as nossas esperanças, receios e sonhos na sociedade (APPLE, 2002, p. 82). Pretendemos nesta seção construir instrumentos para criticar o conjunto de orientações do sistema educacional público vinculados ao conceito de “avaliação”, já que “os componentes mais importantes da legislação convergem para testes e responsabilidades, mas também fornecem avanços com respeito a uma agenda mais ampla de privatização e mercantilização” (APPLE, 2005, p. 18). O que se apresenta atualmente – e parece ser o cerne da “lógica do mercado” – é a combinação espúria entre mercantilização, liberalização, privatização, terceirização, de um lado, com a centralização do poder, a canalização do controle, o exacerbamento das regras morais, por outro. Para Apple o pior é isso não só ter ocorrido na educação, mas sim estar acontecido em todo o mundo hoje. O movimento rumo a mercantilização e “escolha” requer a produção de informações estandardizadas baseadas em processos e “produtos” estandardizados, de tal forma a possibilitar comparações para que os “consumidores” tenham informações relevantes a fim de fazerem suas escolhas no mercado (APPLE, 2005, p. 27). NCLB Iniciamos o estudo sobre a legislação dos EUA pela Lei Pública 107-110. Promulgada em 2002, a lei federal No Child Left Behind Act (NCLB) – em português "Nenhuma Criança Será Deixada para Trás" – é uma política pública para a educação nacional que amplia o alcance e redireciona alguns aspectos vigentes na lei anterior – Elementary and Secondary Education Act of 1965. Essencialmente, a questão do fracasso escolar é a principal motivação para a nova regulamentação sobre a educação básica dos EUA. Apesar de amplamente divulgadas e defendidas, desde a década de 1960, as teorias da carência cultural não apresentaram soluções sustentáveis até os anos 1990. Então, os índices de proficiência alarmaram as autoridades. 9 Diante do insucesso no sistema educacional público – reconhecendo que o problema era mais grave entre estudantes de grupos étnicos e raciais minoritários, entre os que têm alguma necessidade especial, entre aqueles que vivem em vulnerabilidade social ou entre aqueles que o inglês não é a primeira língua - a NLCB apresentou nova orientação para alocação de recursos e responsabilização sobre os resultados sociais da educação. Apesar dos objetivos democráticos que são declarados desde a redação da lei, a política do NCLB encontra dura oposição nos EUA. Segundo Evangelista (2004), existem claros equívocos que impõem caráter eugênico, discriminatório e opressivo aos instrumentos preconizados no NCLB. Como exemplos, o autor menciona a situação das crianças em defasagem (disadvantage children) e a autorização para o uso dos dados do programa pelas forças armadas. A partir deste ponto registramos a análise documental. De maneira geral, nosso levantamento concentrou-se no título I (Improving the academic achievement of the disadvantaged), devido a descrição mais pormenorizada dos princípios voltados para a qualidade da educação. Entendemos que esses princípios fazem parte de uma agenda mais ampla, com reflexos claros nas políticas educacionais também do Brasil. Nos demais títulos, a lei apresenta critérios e procedimentos vinculados a setores específicos da educação básica, como: formação de professores, estudantes imigrantes e participação dos pais, entre outros. Importante ressaltarmos que a partir do título II todas as seções apresentam a subseção Evaluation and Report, o que abertamente circunscreve as iniciativas prescritas ao domínio das políticas de austeridade e de controle sobre a força de trabalho. Então, no título I da NCLB a busca pela palavra chave “evaluation” registra na seção 1118 (Parental Involvement) instrução sobre o papel das famílias na organização da avaliação anual. Na seção 1202, que trata do critério para repasse das subvenções estatais às unidades escolares deficitárias, aparece mais uma demonstração de como os índices alcançados em testes estandartizados podem repercutir na psicologia infantil diante da expressão “who are reading below grade level” (C)(ii)(III). A seção 1205 (External evaluation) trata exclusivamente da AE e traz expressões que demonstram qual tipo de dados devem ser produzidos pelas agências: “medida de grau”, “medida de extensão” e “análise”. Cabe ressaltar que a política de avaliações decorre de um debate anterior a respeito do currículo comum (APPLE, 1995) e alcança um debate ulterior, relacionado à formação de professores. Encontramos a clara preocupação no item que prevê diagnósticos sobre o preparo construído no professor iniciante para a alfabetização (c)(8). 10 A seguir, o termo “avaliação” encontra-se invariavelmente relacionado ao controle sobre as estimativas e resultados. Pautada nos princípios da administração científica, voltada para minimização dos custos e maximização dos lucros, a NCLB comporta a definição sobre orçamentos e execuções financeiras até o ano de 2006 (seção 1226). Além disso, traz informações sobre o acompanhamento dos programas específicos para as crianças em desvantagem (disadvantage childrens – seção 1237), imigrantes (seção1419) e adultos em situação infracional (seção 1432). Encerramos as observações sobre a NCLB com breve destaque para o título II (Preparing, Training, and recruiting high quality teachers and principals), que trata da formação de professores (seção 2314). A lei preconiza que a avaliação ocorra em todos os âmbitos, desde a observação sobre os currículos e competências desenvolvidas na formação inicial, bem como a didática apresentada nas primeiras interações com uma sala de aula. A partir deste ponto, as referências passam a incorrer sobre aspectos localizados da política, como por exemplo particularidades étnicas ou os “desafios da escola no século 21” (título IV—21st Century schools). Enfim, com base no levantamento sobre a lei NCLB reconhecemos que o conceito de “avaliação” (evaluation) tem mais relação com o conceito de “verificação” (LUCKESI, 2008) e que, consequentemente, confirma Evangelista (2004). Outra consequência didática de um sistema educativo regulado pela NCLB é a reificação, a ausência de questionamento sobre a “pedagogia do exame”. Diante das prerrogativas (financiamento) e dos juízos produzidos (responsabilização) a partir dos dados quantitativos, socialmente são apresentados como culpados os alunos e professores – os sujeitos que supostamente produzem distorções nas metas e nos números planejados. SAT Diferentemente do que ocorre com o ENEM, o Scholastic Aptitude Test (SAT) não é um programa oficial, nem é instituído por lei. Inclusive, não é o único sistema de avaliação que permite o ingresso no ensino superior dos EUA. A principal importância do SAT nesse cenário educacional reside nos números: 175 países aplicando 1.672.395 de testes em 2014 (TOTAL GROUP, 2014), para seleção de vagas em 6.000 instituições. A história do SAT deve ser contextualizada no âmbito da instituição que o administra, o College Entrance Examination Board (College Board). Fundado em 1899, a associação sem fins lucrativos foi criada por 12 reputadas instituições da costa leste dos EUA, com o objetivo de padronizar instrumentos de admissão e certificação em seus cursos. 11 Apenas em 1926 o SAT é aplicado pela primeira vez como teste padronizado, e atinge a marca de 8.000 estudantes submetidos. Ainda assim, foi instituído como “novo teste psicológico”, apenas complementar aos exames de admissão tradicionais. Durante todo o período entre guerras continuou instrumento de reduzido alcance, especialmente restrito à região nordeste dos EUA. Durante a guerra fria o SAT ensejou intensas divergências em relação aos resultados e aos rumos da educação no país. Em 1993 que o teste passa a ter o formato mais próximo do atual. Naquele momento o SAT passa a ser dividido em duas partes: Reasoning Test (SAT I) e Subject Test (SAT II). O exame então é composto para o objetivo de avaliar os conhecimentos e habilidades de raciocínio do estudante: no SAT I em Math, Critical Reading (interpretação de textos) e Writing com 3h40 de prazo; e no SAT II em questões específicas sobre os conteúdos de humanidades, artes e ciências com duração de 1h. A pontuação máxima no SAT I é 2.400, porém em 2014 a média permaneceu em 1507. Apesar de todos os esforços decorrentes da implantação da NCLB nos EUA, voltados para aperfeiçoamento dos processos de ensino-aprendizagem, especialistas apontam estagnação no processo pedagógico. Provas disso são anunciadas pelo novo presidente da fundação (David Coleman), nas mudanças que entram em vigor no ano próximo: redução na escala de pontos (para 1600) e alteração da regra para pontuação, eliminando penalidades por erros. Com base nos argumentos empregados para justificar as mudanças – stress nos estudantes, frustrações dos educadores, admissões oficiais sem qualidade e ansiedade dos pais – podemos criticar a conveniência e a necessidade de testes como esses. [The parents] were doing almost anything you possibly could at $20,000 to $40,000 per year to make sure their kids had a leg up on anybody else [...] Simply making the test prep material and practice tests and practice essays available for free to poor kids may not change [that] (APPLE, 2014). Apple ainda afirma que a “pedagogia do exame” leva a um grau de competição e individualidade que mais dificulta do que estimula o processo de aprender. Garante que mesmo sem muitas opções prefere resistir ao uso desses instrumentos como formas de admissão, embora nunca abra mão de querer “as much evidence as possible when we’re making decisions about students' and parents' lives” (APPLE, 2014). O que parece em jogo aqui é a caracterização do SAT como “verificação” ou “avaliação”. 12 Para completar essa revisão trazemos os aspectos decorrentes da leitura sobre os documentos oficiais do College Board, contidos no sítio institucional (https://sat.collegeboard.org/about-tests/sat). Primeiramente, encontramos que o SAT é definido exclusivamente como teste de admissão para o ensino superior (college admission test), ainda que a administração atual tivesse propagado a missão conjunta de contribuir com a qualidade educacional e a democratização do acesso ao conhecimento. Embora seja a principal forma de acesso a grandes universidades dos EUA, o próprio grupo orienta os candidatos de que o teste é “just one of many factors that colleges consider when making their admission decisions”. Outra importante consideração diz respeito à metodologia na qual os testes são executados. A principal característica do SAT é estar vinculado ao referencial pedagógico das habilidades e competências, ilustrado no que fica registrado para os candidatos: “It tests the skills you’re learning in school”. Não obstante essa estratégia, os resultados atestam que as médias das notas aumentam sistematicamente em função da renda familiar (TOTAL GROUP, 2014). CONCLUSÕES A ideologia das AEs, nacionais e internacionais, opera no campo conceitual da melhoria na qualidade do ensino. Diante das características padronizadas dos instrumentos dificilmente atende às demandas regionais, além de veicular informações inexatas e distorções sobre os níveis de aprendizado e a realidade educacional em todo o país. Em geral, limitam-se a projetos compostos por provas regulares, resultados comparativos, relatórios sobre populações específicas, elenco de prioridade estatal, planos de metas, boletins anuais, escala para contratação de paraprofissionais, flexibilidade no uso do dinheiro federal, mais verbas e novos planos (teacher quality etc.). Algumas semelhanças são visualizadas quando comparamos contextos nacionais diversos, como acontece entre ENEM e SAT por exemplo. A primeira delas é que ambos exames são organizados com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), assim como verificam a proficiência dos alunos que almejam ingresso nas universidades. Outra similaridade é que eles declaradamente estão voltados para a classificação de candidatos, trazendo score individual. Porém, quando colocados em escala e série histórica, os dados costumam ser usados como indicadores da qualidade na educação básica em geral. Uma 13 diferença encontra-se no fato de que o exame brasileiro é organizado por mecanismos governamentais, enquanto nos EUA por instituição particular. Sobre a NCLB, Apple (1995) aponta tendências de privatização, centralização, vocacionalização e diferenciação. Apesar de ter como meta o aumento da eficiência na educação escolar, tem como resultado político a retomada da hegemonia de classes econômicas e grupos políticos tradicionais. Fazendo um sumário do conteúdo das cláusulas NCLB, Apple (2005) desnuda as bases do projeto neo-liberal-conservador que avança fortemente também no campo das políticas públicas brasileiras, disseminando as políticas de metas e bonificação. É inegável que os instrumentos passam por evolução expressiva ao longo dos últimos anos, mas percebemos uma necessidade latente de rever a estrutura, a aplicação e as finalidades dessas AEs. Muitas singularidades e demandas sociais e econômicas ainda não são levadas em consideração por tais verificações, trazendo a meritocracia como uma tendência emergente e falaciosa. Embora existam dificuldades, o governo necessita articular e planejar ações para que o processo de ensino seja condizente com a necessidade local e que a aprendizagem seja efetiva e democrática, ajudando a aumentar os sofríveis níveis de sucesso escolar. Em tempos de meritocracia o desafio, que parece ser comum também a diversos exames aplicados nacional e internacionalmente, é o de continuar representando credibilidade e excelência diante da necessidade de distribuir oportunidades. Vemos que a escola é palco da concretização de projetos políticos, refletindo nela as formas de governos que implantaram modelos educacionais empresariais, nutrindo o sistema neo-liberal-conservador. Pautada nos princípios da administração científica, voltada para minimização dos custos e maximização dos lucros, implantam objetivos e buscam resultados nem sempre didático-pedagógicos. REFERÊNCIAS APPLE, M. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? Em: MOREIRA, A.F.; SILVA, T.T. Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1995. 2ª ed. _____________ Interromper a direita: Realizar trabalho educativo crítico numa época conservadora. In: Currículo sem Fronteiras, v.2, n.1, pp.80-98, Jan/Jun 2002, ISSN 16451384. 14 ___________. Para além da lógica do mercado: compreendendo e opondo-se ao neoliberalismo, Rio de Janeiro: DP&A, 2005. ___________. SAT Changes Ignore Bigger Picture. 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