Festa De Santa Bárbara - Cadernoipac5

As festividades de 04 de dezembro, dia de celebração de Santa Bárbara, foram registradas como patrimônio imaterial da Bahia no livro das celebrações, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia.Trata-se de um dia de festa no Centro da Cidade do Salvador, desde 1641.
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Festa de Santa Bárbara CADERNOS DO IPAC, 5 Festa de Santa Bárbara Salvador – Bahia 2010 GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA Jaques Wagner SECRETARIA DE CULTURA Márcio Meirelles DIRETORIA GERAL DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA – IPAC Frederico A.R.C. Mendonça PRESIDÊNCIA DA FUNDAÇÃO PEDRO CALMON – FPC Ubiratan Castro de Araújo DIRETORIA DE PRESERVAÇÃO ARTÍSTICO E CULTURAL DO IPAC Paulo Canuto GERÊNCIA DE PESQUISA, LEGISLAÇÃO PATRIMONIAL E PATRIMÔNIO INTANGÍVEL DO IPAC Mateus Torres 4 5 FOTOGRAFIAS Elias Mascarenhas PROJETO GRÁFICO Paulo Veiga ILUSTRAÇÃO Margarete Abud EDITORAÇÃO Maria Luzia Lago Brandão PESQUISA Carla Bahia Jussara Rocha Nascimento Milena Tavares Nívea Alves dos Santos Sônia Ivo CONSULTORIA E EDIÇÃO DE TEXTO Carla Bahia REVISÃO DE TEXTO Fundação Pedro Calmon IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica QualiCopy Sumário 9. APRESENTAÇÃO Ubiratan Castro Araújo 11. O SÍTIO Milena Tavares 21. A BÁRBARA DA ANTIGUIDADE Jussara Rocha Nascimento 31. IANSÃ: MÃE NOVE VEZES Carla Bahia 41. ICONOGRAFIA Sônia Ivo 45. O CULTO A SANTA BÁRBARA NA BAHIA Nívea Alves dos Santos Elaborada pela Gerência Técnica - GETEC B135s Bahia. Governo do Estado. Secretaria de Cultura. IPAC. Festa de Santa Bárbara. / Governo do Estado, Secretaria de Cultura, IPAC. - Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2010. 76p. : il. – (Cadernos do IPAC, 5) ISBN: 1. Bárbara, Santa – Festa Religiosa 2. Bahia - História 3. Bahia – Festa Popular 4. Bárbara, Santa – História I. Título CDD 394.265 CDU 394.26 53. A FESTA DE SANTA BÁRBARA NO PELOURINHO Carla Bahia Apresentação * Ubiratan Castro Araújo s festividades de 04 de dezembro, dia de celebração de Santa Bárbara, foram registradas como patrimônio imaterial da Bahia no livro das celebrações, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. Trata-se de um dia de festa no Centro da Cidade do Salvador, desde 1641, quando foi instituído o Morgado de Santa Bárbara, composto de propriedades e capela ao pé da ladeira da Montanha. Aquele foi o primeiro Mercado de Santa Bárbara. Desde o final do século XIX os comerciantes, que faziam as celebrações, foram transferidos para o novo Mercado de Santa Bárbara na atual Baixa dos Sapateiros. Na década de 80 do século XX, as celebrações e a própria imagem da Santa passaram a sediar-se na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho. Esta é indiscutivelmente a grande celebração religiosa popular do Centro Histórico de Salvador. A cada 04 de dezembro, o Centro de Salvador se veste de vermelho, cor usada pelos devotos da Santa Bárbara. Gente de toda a cidade, de todas as classes sociais, de todas as cores (principalmente a negra), e de todos os sexos (principalmente as mulheres) reúne-se para missa, procissão, samba e caruru. Duas figuras místicas de mulher associam-se no vermelho da festa: a Santa Bárbara, mártir cristã da antiguidade, e a laba Iansã, orixá dos Iorubá. Ambas representam o arquétipo unificado de mulher guerreira, que conquistou a sua liberdade ainda que no martírio, e que levantou a cabeça em rebelião contra o poder masculino. Na cultura afro-brasileira, no dia 04 de dezembro o povo da Bahia celebra o rubro sangue que ferve nas veias das belas mulheres rebeldes libertadas, senhoras de suas próprias cabeças. Salve Santa Bárbara da Ásia Menor. Eparrêi Iansã da África Ocidental. Salve a Mulher da Bahia! * Presidente da Fundação Pedro Calmon 8 9 A O SÍTIO * Milena Tavares Evolução Urbana de Salvador época, o regime de donatários no Brasil foi substituído por um Governo Geral e, a partir de então, a Cidade do Salvador foi instituída como sede. Logo após, tomou posse o Primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza, com mandato iniciado em 07 de janeiro de 1549. O Regimento de 1548 buscou orientar o processo de povoamento do Brasil, discriminando em detalhes todas as regras que deveriam nortear o processo de construção da cidade do Salvador. Essas normas foram estruturadas de forma que a cidade estivesse preparada para atender aos interesses de Portugal. Entre os aspectos que foram considerados para a implantação do núcleo primitivo, destaca-se: - Escolha do sítio para implantação: - Lugar sadio, de bons ares e com abastança de água. - Atender ao funcionamento de um porto. - Fortaleza e povoação grande e forte: - Construir uma fortaleza, de tamanho e feição acordes com o lugar de sua localização, obedecendo as “traças e mostras” entregues, em Lisboa, a Tomé de Souza. * Arquiteta 10 11 O estabelecimento da cidade do Salvador ocorreu através de Regimento de D. João II, Rei de Portugal, datado de 17 de dezembro de 1548. Nesta - Recursos humanos: - Acompanharão Tomé de Souza para edificação da cidade: oficiais, pedreiros, carpinteiros e outros, inclusive alguns especializados no fabrico de tijolos, telhas e cal. - Recursos materiais utilizados: - Numera-se a preferência pelos seguintes materiais: pedra aparelhada, pedra e cal, pedra e barro, ou taipais, e madeira. - Deveriam ser resistentes, fortes e que permitissem estabilidade e segurança. e galgava a encosta do monte, através de terreno íngreme, próxima à atual Rua do Pau da Bandeira. No interior desta nova fortificação surgiu o primeiro povoamento da cidade alta, composta por quatro ruas longitudinais, três transversais e duas praças. A rua principal e mais extensa era a Rua Direita do Palácio ou dos Mercadores (atual Rua Chile), responsável pela comunicação da porta norte até a porta sul. As demais ruas longitudinais, chamadas, na época, pelo nome de Ajuda, Pão de Ló e dos Capitães, eram todas retilíneas e tinham como limite os muros da cidade. Já as ruas transversais tinham a denominação de Assembléia, das Vassouras e do Berquó. A escolha do sítio Na praça principal, localizada na banda sul, havia um pelourinho e algumas casas Após o desembarque, Tomé de Souza ordenou que fosse descoberta a terra bem à sua frente e determinou que o melhor lugar para edificar a cidade seria aquele defronte ao local em que havia ancorado. Em frente ao espaço que virara ancoradouro havia uma grande fonte que serviria para atender às necessidades dos navios e naus da cidade que ali seria construída. As primeiras edificações da cidade foram a ermida consagrada a Nossa Senhora O lugar escolhido para assentamento da cidade estava no promontório compreendido entre as gargantas de onde hoje conhecemos como Barroquinha, ao sul, e Taboão, ao norte, pois apresentava características favoráveis: era situado no cimo de uma escarpa, sendo considerado de fácil defesa em caso de ameaça de invasão, pela altura de 60 metros sobre o mar. Esse espaço selecionado tinha a oeste um paredão natural, com altura considerável, enquanto a este, um vale natural, hoje denominado como Rua Dr. José Joaquim Seabra (J. J. Seabra ou Baixa dos Sapateiros), fortalecia o aspecto da fortaleza da cidade. As obras de construção daquela urbe foram aceleradas e, no primeiro semestre de 1549, a Governadoria Geral já estava instalada e em funcionamento. Na mancha matriz da cidade foram edificadas quatro portas, cercadas por baluartes improvisados, que merecem ser citadas: a Porta Norte, no início da atual Rua da Misericórdia, onde antes havia uma depressão natural do terreno servindo de fosso, correspondendo hoje à Rua 28 de Setembro; Porta Sul, correspondente às imediações da Praça Castro Alves, denominada, em principio, de “Porta de Santa Luzia” e, posteriormente, de “Porta de São Bento”; a porta “do lado de terra”, acessível da baixada fronteira por meio de uma ladeira em degraus, chamada pelos antigos de “Beco da Água de Gasto”; e a última, que dava acesso ao porto 12 térreas, onde residia o Governador, além da modesta Igreja de Nossa Senhora da Ajuda. Na direção Este foi implantada a Casa de Câmara e Cadeia e outras casas de moradores. Na face norte ficavam as casas de repartição da alfândega e armazéns. Já no oeste ficavam algumas peças de artilharia. da Conceição, próxima à praia; baluartes e cercas dos arruamentos. Foi ainda providenciada a locação da primeira praça, que fora Centro Administrativo do Brasil até 1763, na atual Praça Municipal; além de uma cerca de pau-a-pique para proteção dos trabalhadores e soldados. O burgo fortificado na cidade alta se prolongava também em direção à cidade baixa, próxima ao mar, confinado a uma estreita faixa de terra próxima à montanha. Esta região reunia o porto, a alfândega, armazéns e casas, erigidos no entorno da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. As povoações à beira da praia começaram nas ribeiras do Góis e dos Pescadores. A primeira ribeira estendia-se no trecho limitado em seu comprimento pela atual Praça Cairu e a Fonte das Pedreiras, alargando-se, linear e posteriormente, à presente Praça Conde dos Arcos (parte baixa da Ladeira do Taboão). Salvador, então, foi implantada primitivamente entre duas regiões, que se convencionou chamar de Cidade Alta e Cidade Baixa. A ligação entre elas se dava através de duas ladeiras: da Conceição e da Preguiça. Existiam, ainda, caminhos terrestres, precários, que permitiam o acesso ao local que ficou conhecido como Água de Meninos e, a partir daí, ao Monte Serrat e à Ribeira, mais afastados 13 dessa mancha matriz, mas que traziam o que era indicado no Regimento de 1548 como núcleos de expansão. A cidade do Salvador no século XVII No período decorrido entre 1600 e 1650, a Cidade do Salvador foi atacada pelos flamengos em duas ocasiões, fazendo o Governo Geral executar projetos de fortificação da cidade. Essas obras permitiram a defesa da cidade contra o ataque chefiado pelo Conde Maurício de Nassau, em 1638. Devido a esses ataques e suas conseqüências em termos dos estragos provocados, a primeira metade desse seiscentos caracterizou-se por pouco desenvolvimento da cidade. Os esforços tiveram que ser dirigidos para o conserto e a reconstrução das edificações, inclusive dos conventos e igrejas de São Bento e do Carmo. A cidade a partir da metade do século XVI As obras ganharam mais força no decorrer do ano de 1549, com o auxílio dos índios nos trabalhos de execução, intensificadas, posteriormente, com a chegada dos primeiros africanos escravizados. Os principais núcleos de povoamento de Salvador eram divididos em freguesias , valendo a pena notar que, embora a 1 freguesia da Sé fosse protegida por muros e fortificações, a freguesia de Nossa Senhora da Vitória se salvaguardava, apenas, pela dificuldade de acesso, devido à intensa flora natural. A cidade do Salvador no século XVIII Nesta época, novos núcleos de povoamento se estendiam em torno da ermida de Nossa Senhora do Desterro, já no governo de Luiz Brito de Almeida, entre 1573 e 1578. A partir de então, a cidade não tinha mais muros e, em 1598, mesmo com sua reconstrução, ela não era mais bem protegida. Na segunda metade do século XVI, a cidade ultrapassou os limites do acampamento inicial, surgindo, naquele momento, a segunda praça, o Terreiro de Jesus. No livro “Evolução Física de Salvador: 1549 a 1800” estão registradas algumas considerações sobre a descrição da cidade feitas pelo português Gabriel Soares de Sousa, que chegou ao Brasil na segunda metade do século XVI: “Tinha sido conquistada a colina da Sé, mancha matriz, esboçando-se os primeiros desenvolvimentos: para o Sul, por meio do Convento de São Bento, muito modesto na ocasião e do casario que havia nas suas proximidades, pouco denso; para o Norte, o Convento do Carmo, como o Beneditino vivendo os seus primeiros anos na cidade, com construções nas suas proximidades, mas, igualmente, muito esparsas. Em relação, porém, ao Acampamento primitivo de Tomé de Souza, crescera muito a Cabeça do Brasil” (1998, p.60). 2 NASCIMENTO, Anna Amélia V. Dez Freguesias da Cidade do Salvador; aspectos sociais e urbanos do século XIX. Salvador, FCEBa., 1998. Pág. 38. 3 BAHIA. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura da Bahia. Evolução Física de Salvador. Organizado por Américo Simas. Salvador: Fundação Gregório de Matos, CEAB, 1998. Pág. 118. 1 Nascimento (1986) esclarece que freguesia, no sentido lato, significa o conjunto de paroquianos, povoações sob o ponto de vista eclesiástico, clientela. 4 BAHIA. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura da Bahia. Evolução Física de Salvador. Organizado por Américo Simas. Salvador: Fundação Gregório de Matos, CEAB, 1998. Pág. 125. A expansão da cidade, tanto na parte alta, como na ribeirinha do mar, determinou que, em 1720, o então arcebispo Dom Sebastião Monteiro de Vide criasse uma nova Freguesia, dedicando-a a Nossa Senhora do Pilar2. Ela situava-se à beira-mar, apresentava quarenta braças de extensão e cerca de uma légua de comprimento, desmembrada em parte da Conceição da Praia. Uma década depois, Salvador se apresentava com os seguintes contornos e características: - Bairro da Praia: Cidade Baixa, à margem da Bahia de Todos os Santos. De acordo com Rocha Pires3, estendia-se desde a Preguiça, na Freguesia da Conceição da Praia, até Água de Meninos, na freguesia do Pilar. Na extensa faixa entre Água de Meninos, Jequitaia, Boa Viagem e Monte Serrat a ocupação ainda era rarefeita, sendo considerado como foco de povoamento e desenvolvimento urbano o Noviciato dos Padres da Companhia, a Ermida da Boa Viagem e de Monte Serrat, dos Beneditinos4. 14 15 - Cidade Alta: no trecho da mancha matriz, as ruas e praças permaneciam sem alterações de monta. O que ocorreu no espaço de 80 anos foi a construção de edifícios públicos notáveis e o agenciamento da segunda praça da cidade, o Terreiro de Jesus, construído no século XVI. - Fora das Portas: na direção sul, prosseguia o eixo básico pela atual Ladeira de São Bento, com o seu adensamento e abertura de novas ruas. Na direção norte, ultrapassando as portas do Carmo, estava o Bairro de Santo Antônio, que se prolongava, já estabilizado, do ponto de vista urbano. Nessa época, a Colina da Sé já se encontrava inteiramente urbanizada; São Bento e o Carmo haviam progredido visivelmente, indo do que se conhece como Santo Antônio Além do Carmo até o Forte de São Pedro. No decorrer do século XVIII, a economia baiana foi favorecida pela prosperidade da cultura da canade-açúcar e da exploração do ouro, influenciando beneficamente na fisionomia da cidade, embelezada pela construção de ricos sobrados e igrejas. A cidade do Salvador no século XIX A abertura dos portos (1808) promoveu grande desenvolvimento nas cidades brasileiras, promovendo emancipação política e transformações sociais, na medida em que novos produtos no mercado modificaram o gosto e a exigência da população local. A cidade inicia grandes transformações, no intuito de romper com a paisagem colonial. Esse impulso foi contido pela extinção do comércio de escravos, a abolição e a proclamação da independência do Brasil, além do fortalecimento da economia cafeeira no sul do país. Em 1800, a cidade do Salvador se apresentava, basicamente, da seguinte forma: - Bairro da Praia: a Cidade Baixa se estendeu da Preguiça até a Jequitaia, com predominância de comerciantes na área, mas contando também com templos, fortalezas, além dos edifícios comerciais. Nessa mesma região, mas fora da área urbana, havia três caminhos que viriam, posteriormente, a se agregar à cidade de Salvador: um pela praia, chamado de Jequitaia, até a porta de Monte Serrat, outro para o Bonfim, ou Itapagipe de Baixo, e o terceiro para Itapagipe de Cima até a Porta do Papagaio. 16 17 - Cidade Alta: se estendia desde o Forte de São Pedro até o Convento da Soledade, na sua maior largura, procurando a direção do nascente, apresentando grandes edifícios, templos e casas nobres. Nessa época já havia três praças: a nova da Piedade e as já existentes, do Palácio e do Terreiro de Jesus. - Bairros Circunvizinhos: São Bento, o maior e mais aprazível, no norte da cidade, o Santo Antônio Além do Carmo, com edifícios de menor qualidade e quantidade, além de os bairros da Palma, Desterro e Saúde, na parte nascente. Itapagipe, chegando a Monte Serrat e ao Bonfim. O porto sofreu diversos serviços de melhoramento urbano, ampliando a área do Comércio, a partir de sucessivos aterros. Na Cidade Alta, conforme já citado, deu-se a conquista de novas cumeadas na direção sul, consolidando-se os bairros do Campo Grande, Vitória e Graça. Na direção norte, a cidade se estendeu no sentido da Estrada das Boiadas, onde já havia residências, a exemplo do Solar Bandeira, que até hoje se mantém na Soledade como monumento digno de nota, bem como a Igreja e o Convento de Nossa Senhora das Mercês, ambos entre um perfil de sobrados de feição tradicional. Na direção Leste, deu-se a consolidação dos bairros da Saúde, do Desterro e da Palma, além da formação de novos bairros, iniciando por Nazaré. A cidade do Salvador a partir do século XIX A partir dessa época, o trecho urbano da Cidade Baixa se consolidou até o Monte Serrat e Bonfim, interligando-os aos núcleos anteriormente existentes. Foram também construídos novos cais sobre aterro, para melhoria do porto. Enquanto isso, na Cidade Alta, a expansão se dava no sentido da conquista de novas cumeadas na direção sul, o que ocasionou o surgimento dos bairros da Vitória e da Graça. As cumeadas existentes adensaram-se. Na direção norte, a cidade antiga se ampliou no sentido da Estrada das Boiadas. A leste, deu-se a consolidação dos bairros da Saúde, Desterro, Palma e a formação de novos bairros, iniciando por Nazaré. O progresso urbano trouxe a iluminação a gás carbônico, em 1872, e, no fim do século, a introdução dos primeiros bondes a tração animal, permitindo uma nova extensão do perímetro construído, favorecendo o surgimento de mais bairros. No final do século XIX, o núcleo primitivo sofreu esvaziamento pela população abastada. Isso se deu pelo crescimento da cidade para as bandas do sul, no Bairro da Vitória. A partir daí, os casarões coloniais da área do centro histórico foram sendo ocupados por pequenos comerciantes até sua decadência, quando se iniciou a atividade marginal no local, favorecendo o seu abandono e a degradação dos imóveis. O governo de José Joaquim Seabra traçou planos significativos para mudar a paisagem colonial, modernizando-a. Para tanto, empreendeu grandes obras, seguindo o modelo adotado por Pereira Passos, no Rio de Janeiro, que se pautou na reforma de Paris (França). O período mais emblemático ocorreu na gestão entre os anos de 1912 e 1916, com a abertura e construção da Avenida Sete de Setembro. Já na década de 40, Salvador passou por um processo de planejamento de sua estruturação viária, sob a coordenação de Mário Leal Ferreira, no Escritório do Planejamento Urbanístico da Cidade do Salvador (Epucs). O plano, iniciado somente em 1959, a partir de transformações políticas e do reaquecimento da economia, permitiu o aproveitamento de vales para a abertura de amplas avenidas, favorecendo a interligação entre o centro, os novos bairros e a orla da cidade. Nos anos 50 e 60, a implantação de pólos industriais impulsionou a economia e também o crescimento populacional. Isso aumentou a demanda por áreas residenciais, que até então se concentravam no centro da cidade, desencadeando um processo de urbanização acelerada. Na década de 70, o funcionamento das primeiras fábricas do Complexo Pe- A cidade no século XX A modernização dos transportes, que se iniciou com a introdução dos primeiros bondes a tração animal, favoreceu a expansão urbana, incentivando o surgimento de novos bairros. Na Cidade Baixa, a ocupação do território se estendeu até a Península de 18 troquímico de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, bem como a construção da Avenida Luis Vianna Filho (Paralela), via expressa com 14 km de extensão, e a instalação do Centro Administrativo da Bahia e do Shopping Iguatemi são questões que abriram espaço para o surgimento de novo vetor de desenvolvimento, que vem crescendo intensamente desde então. 19 A BÁRBARA DA ANTIGUIDADE * Jussara Rocha Nascimento “A Vida dos Santos”.1 No seu relato sobre a vida de Santa Bárbara explica, ao final, que “assim é que vem narrada, na versão de [William] Caxton [c 1422-1491] a Legenda Áurea de uma das mais populares santas da Idade Média”. Segundo Butler “não se faz menção dela nos martirológios antigos, sua lenda não é anterior ao século VII e seu culto só se difundiu durante o século IX”. Esclarece, ainda, que há “diversas versões da lenda” sobre esta santa, as quais “diferem entre si tanto em relação à época como ao local do seu martírio”. A história narrada por Butler, resumidamente, assim aparece: “No tempo em que Maximiano reinava, havia um homem rico, um pagão cujo nome era Dióscoro. Este Dióscoro tinha uma jovem filha, cujo nome era Bárbara, para a qual mandou construir uma torre elevada e forte, onde colocou e fechou esta sua filha Bárbara, para que nenhum homem a visse por causa de sua grande formosura. Então, vieram muitos príncipes ter com este mesmo Dióscoro para com ele tratar a respeito do casamento com sua filha, e ele foi ter com a filha e disse: ‘Minha filha, alguns príncipes vieram até mim e me pediram que lhes fosse dada em casamento e, por isso, dize-me qual é o teu plano e o que tencionas fazer’. Então, Bárbara ficou bastante irritada e assim falou ao pai: ‘Meu pai, rogo-vos que não me U m padre inglês, Alban Butler (1711-1773), dedicou 30 anos de sua vida escrevendo um livro que se tornou grande referência para os católicos: 1 Originalmente publicado em 1756-59, só foi reeditado em 1926-38, uma versão em português aparece datada de 1993. * Bacharel em Ciências Sociais, Mestre em Arte, Doutora em Letras, UFBA 20 21 forceis a contrair matrimônio, pois para isso não tenho disposição nem intenção’. Depois disso, ele partiu e foi para um país distante e lá permaneceu durante muito tempo. antiga Nicomédia, região, hoje, localizada na Turquia. Também vemos povos não latinos, em diferentes regiões do mundo, devotos de Bárbara, bem como o rei de Castela e Leão, Afonso X (1221 – 1280), conquistador do reino mulçumano de Múrcia, na futura Espanha, que deu o nome de Santa Bárbara a seu castelo em Alicante. Então, Bárbara desceu da torre a fim de inspecionar uma casa de banho que o pai estava construindo para ela e logo percebeu que nela só havia duas janelas, uma que dava para o sul e a outra para o norte. Por essa razão, ficou muito desconcertada e muito admirada e perguntou aos operários porque não haviam feito mais janelas, e eles responderam que o pai dela assim dispusera e ordenara que fizessem, Bárbara, então, lhes disse: ‘Abri aqui para mim mais uma janela!’ Quando, mais tarde, o pai lhe perguntou por que é que três janelas iluminam mais que duas, Bárbara respondeu: ‘Estas três janelas representam claramente o Pai, o Filho e o Espírito Santo’. Bárbara e as configurações históricas O mundo europeu deste período de 600 – e, claro, anterior a ele –, como é sabido, comporta povos e divisões administrativas e culturais bastante diversas das que virão a se configurar após a formação dos estados-nação que hoje compreendem os países da Europa. Por volta dos anos 300, o principal centro cultural europeu localizava-se na Irlanda, onde os monges que se diziam continuadores da tradição monástica egípcia preservavam a técnica da escrita, tendo criado, por exemplo, as letras minúsculas. No continente, propriamente, o que ocorria na Península Ibérica é de particular interesse ao estudo da devoção de Santa Bárbara, já que é por intermédio de espanhóis e portugueses que essa santa vai chegar às Américas, quase mil anos mais tarde, a partir do século XVI. A Península Ibérica, até o século VII, já havia sido palco de civilizações diversas e, nessa época, vai, aos poucos, sendo ocupada por árabes muçulmanos. Inicialmente com os califas Omíadas (661-750), depois com os Abássidas, que acabam por ocupar toda a extensão da Península Ibérica, onde permanecerão por mais 500 anos. Esses grupos foram os introdutores de inúmeras técnicas, produtos agrícolas e informações científicas que eram, até então, desconhecidas no restante da Europa: fabricação de papel e produtos têxteis, a arte de trabalhar o vidro, iluminação pública em algumas cidades, com lâmpadas de petróleo ou azeite, bibliotecas, a bússola (já conhecida na China), entre outras coisas. Parte considerável do acervo de conhecimento desses árabes será traduzido em Toledo, sendo Afonso X, conhecido como o Sábio, monarca que man23 Ao ouvir tal explicação, Dióscoro encheu-se de ira e prendeu Bárbara num cárcere. Levada, depois, a um juiz, acabou sendo condenada à morte a golpe de espada. O pai, enfurecido, a tirou das mãos do juiz e a transportou até o alto da montanha. Após uma prece, ela se dirigiu a ele e recebeu o fim de seu martírio. Quando Dióscoro desceu da montanha, porém, desceu sobre ele um fogo do céu, que o consumiu de tal modo que só restaram as cinzas do seu corpo” (1993, pp.52-4). As publicações de Caxton e Butler deram forma escrita a uma história que já tinha longa vida por meio da oralidade, com versões que enfatizam detalhes variados e curiosos, adaptados a diferentes contextos culturais. Existe, contudo, uma pergunta que encontra resposta nos seus devotos: Santa Bárbara existiu? Independente do fato, ela vive na religiosidade popular. Em 1969, sob a alegação de sua autenticidade ser “discutível”, Santa Bárbara foi retirada do calendário litúrgico da Igreja Católica Apostólica Romana. Mas a devoção a ela permaneceu viva, atravessando longos períodos históricos e em áreas geográficas de grande extensão. O culto a Bárbara tocou corações de pessoas oriundas de contextos culturais distintos, como aqueles que seriam, segundo as histórias, seus conterrâneos da 22 tinha eruditos e músicos árabes em seu palácio, o primeiro a ter acesso às famosas tábuas com registros astronômicos e de cartografia marítima, que manda traduzir do árabe. O mundo católico, por sua vez, durante o século VII, tem como centro de poder, não Roma, mas a cidade de Bizâncio (Constantinopla, hoje Istambul, Turquia), de tradição grega, localizada na entrada do Mar Negro, nas imediações da região onde Bárbara teria nascido. Em meados do século anterior, em 553, Constantinopla fora sede de um concílio ecumênico convocado pelo Imperador Justiniano (527-565). Esse concílio, por sinal, teve como uma de suas principais decisões o banimento da obra do teólogo alexandrino Orígenes (185-253), que dirigiu a Didascaléion – a famosa Escola Teológica de Alexandria. Orígenes é uma das figuras históricas associadas a Bárbara já que, segundo uma das lendas, a santa teria sido batizada por um discípulo de Orígenes ou, segundo outra história, ela teria recebido a visita de Orígenes enquanto se encontrava cativa de seu pai, na torre. Apesar de se acreditar que Bárbara era nativa da Ásia Menor, a relação de seu nome ao de Orígenes acaba associando-a à cidade onde Orígenes nasceu, Alexandria, a metrópole mais importante no mundo conhecido de então. Era localizada no norte da África, no delta do Rio Nilo, e onde ficou concentrado todo o acervo de conhecimento coletado nos antigos templos africanos; tanto os de caráter religioso como os conhecimentos relativos às tecnologias desenvolvidas ao longo de três milênios da antiga civilização nilótica, em especial o registro das informações que se referiam ao sofisticado calendário ali construído. É interessante observar que passa pela lenda de Santa Bárbara a referência a um tipo de conhecimento que se obtinha por intermédio de livros. Em uma das versões sobre sua vida, aponta-se o fato de que ela teria entrado em contato com idéias cristãs ao receber, certo dia, junto com o alimento e a roupa lavada que lhe enviavam, na torre, um livro colocado por um estranho, que queria fazê-la conhecer os ensinamentos cristãos. A associação de Bárbara com o nome de Orígenes reveste-se, assim, de um tipo de significado especial, uma vez que não parece ser uma simples coincidência o fato de Orígenes se sobressair por uma atividade literária envolvendo “milhares de obras”. Os indícios de que “livros” faziam parte da vida de Bárbara tem pontos de contato com o de outras mulheres da antiguidade que eram estudiosas e detinham conhecimentos englobando várias áreas do saber, como Hipácia de Alexandria (370-451), nascida cerca de cem anos depois da morte de Bárbara. Matemática e astrônoma, Hipácia recebeu carta do bispo Sinésio (n. 370) pedindo-lhe instruções para a confecção de instrumentos de observação de estrelas, a fim de melhor equacionar um calendário. Outro ponto que apresenta Bárbara ligada aos estudos pode ser indicado pelo fato de que ela residia em uma “torre”. A construção cônica, típica das torres, com aberturas cuidadosamente orientadas para observação do céu, foi usada em diferentes regiões do mundo antigo, inclusive por monges irlandeses, até a Idade Média, para registro da passagem dos dias, meses e anos por meio da sombra do sol nas paredes e no chão. A descrição de Bárbara enclausurada numa torre remete, é claro, à prisão determinada por seu pai, mas pode sugerir, ainda que remotamente, alguém treinado para um tipo de observação valiosa, na época, para confecção de calendários. O momento histórico em que Bárbara teria vivido, entre os anos de 236 e 260 do calendário cristão, faz parte de uma situação em que textos escritos e registros de técnicas antigas estavam sendo violentamente destruídos. A Biblioteca e o Museu de Alexandria, por exemplo, sofreram um dos inúmeros golpes que os atingiu por volta do ano de 270, quando o imperador Aureliano destruiu a maior parte do distrito de Alexandria, onde se localizavam os famosos edifícios. Cerca de 20 anos antes daquele que teria sido o ano nascimento de Bárbara, o imperador Caracala (211-217), sucessor de Augusto, é ridicularizado em Alexandria. Como vingança, manda reunir os jovens a pretexto de incorporá-los ao exército e ordena que sejam massacrados. Eram momentos de mudanças dramáticas que incluíam desapropriações, destruições e massacres sistemáticos. O Império Romano afirmava sua força de conquista e mártires 24 25 eram imolados. Bárbara faria parte de uma juventude, assim como suas amigas Mônica e Juliana, que estava sob a mira de determinações violentas. Na Ásia Menor, por sua vez, a antiga Jônia grega, em que a cidade de Mileto representou um importante papel no fortalecimento da civilização da Grécia, romanos e nativos se enfrentavam em desequilíbrio. As maiores cidades da Ásia Menor, Nicomédia e Peruza, ficaram submetidas ao romano Maximinus Daia, a quem também coube o Egito e a Síria. Contudo, a presença dos romanos na região jamais foi pacífica, principalmente porque lutavam entre si pelo domínio do espaço. É bem possível que o rico Dióscoro, pai de Bárbara, tenha tido certa vantagem nessas disputas, conseguindo tirar proveito da relação com os romanos. De qualquer forma, a aproximação de Bárbara com os cristãos, nesse período em que o cristianismo ia de encontro a interesses dos romanos, definitivamente, não é do agrado do pai. Sendo ele, pois, um homem rico e poderoso à época, teria desejado, por exemplo, o casamento de sua filha com um romano invasor? Considerando todo esse contexto, será que Bárbara teria, por ordem do pai, de unir-se a um conterrâneo não-cristão? Bárbara criou suas próprias relações e, de alguma forma, decidiu se colocar contra uma situação política que agredia os nativos da Bitínia. Explicou a Dióscoro, inclusive, que não aceitavam – ela e outros devotados ao cristianismo – um império dinamizado pela violência e pela injustiça. Longe da torre na qual esteve por anos, Bárbara aproveitava para visitar doentes, comunidades cristãs nos montes e ajudar filhos de escravos. Em determinado momento, foi denunciada aos romanos como cristã, talvez pelo próprio pai. Foi, então, caçada e teria sido encontrada pelo centurião Aleixo e seus soldados numa gruta. Sua mãe, Iméria, apela ao marido em favor da filha, mas Dióscoro não recua e é ele mesmo quem desfere a espada no pescoço de Bárbara. A história de Bárbara poderia ter findado aí. Mas esse conto tem um diferencial: logo após a degola da moça, o céu se fechou em nuvens e um raio atingiu Di26 óscoro, matando-o também. Esta é uma das versões da vida da santa, que ficou conhecida como a mártir morta pelo próprio pai. Bárbara entre outras deusas Santa Bárbara traz uma história de mulher decidida, ilustrada, por exemplo, com a opção de não compactuar com uma ordem política baseada na violência. Era uma entre tantas virgens santificadas a quem muitos recorriam – e ainda recorrem – pela representação de força, em momento de dificuldade. Este, inclusive, é um fato que aproxima o conteúdo simbólico associado a Bárbara a uma outra representação de longa data, enraizada no imaginário popular de então, em especial na África da antiga civilização nilótica, sob o nome escrito como “HT NT”. A grafia egípcia não registrava vogais, podendo a pronúncia deste nome ter sido Neith, Nit, Net, Neit, na África, enquanto, em grego, seria Ateneit, que veio a dar em Atená. Essa personagem mítica já existia desde os tempos pré-dinásticos, por volta do fim do 4º milênio antes de Cristo. Neith é uma figura feminina evocada e descrita como a mulher capaz de exercer a paciência, seja tecendo, seja cuidando dos necessitados, até mesmo, pode-se supor, trabalhando numa torre com alguns pontos estratégicos de abertura que poderiam servir para observações e estudos de estrelas ou de feixes de luz do sol. Neith poderia ser também a mulher caçadora e destemida, disposta à luta e presente nas guerras, tratando dos feridos com seus saberes sobre as ervas curativas. Era descrita, ainda, como quem ajudava os que estavam morrendo, na sua despedida da vida. Ela seria “a que abre caminhos”, segundo os antigos textos egípcios. Era guia no mundo dos mortos. Respeitada por sua sabedoria, tinha o poder de conceber os “deuses”, sendo, por essa razão, também conhecida como “Grande Mãe”. Seu nome aparece num monumento funerário como Merit Neith. O nome Meri significando “a amada”, em egípcio antigo. Sempre acompanhada de suas irmãs Nephtys, Isis e Selkis, era considerada protetora de guerreiros e caçadores. Era relacionada às mulheres destemidas e de gênio irrequieto e altivo, aparentemente tão diferentes da pacífica mártir Bárbara, que se entregou à morte em defesa da fé. Mas, é o raio que atingiu Dióscoro – talvez sua espada sangrenta tendo 27 servido de condutor da eletricidade de nuvens de chuva – que vai permitir o reconhecimento, na mártir, da representação de uma divindade como a egípcia Neith, por exemplo. Se essa representação de Neith existente entre os antigos africanos chega ao vale do Nilo à medida que diversos povos africanos vão aí se agregando, ao longo do tempo, ou se é a partir dessa região que a idéia de uma divindade tecelã e guerreira, sábia e protetora dos mortos vai mobilizando sentimentos e devoção em diferentes regiões, tanto para o norte, atravessando o Mediterrâneo, como para o sul, subindo o Nilo, chegando ao centro da África, na bacia do Congo, a partir daí em direção ao Atlântico, entrando no imaginário de povos de língua banto ou aproximando-se das civilizações construídas ao longo do rio Níger ou do rio Benue, é difícil afirmar. Essa relação, entretanto, é uma possibilidade, já que as divindades Iansã, Oiá, Bamburucema ou Matamba são representadas com atributos bastante familiares aos de Neith. Presentes no Brasil, trazidas pelos africanos traficados durante o contexto colonial, continuam a comover pessoas que, até hoje, em pleno século 21, se colocam como seus devotos em busca de proteção e força. Esse contexto, no qual a mártir católica apresenta características da antiga Neith, que também pode ser associada a outras figuras míticas, conhecidas no Brasil como afro-descendentes, nos traz a sugestão de sincretismo. O próprio cristianismo apropriado pelos imperadores romanos, Constantino (reinado de 324 a 337), que se converte, e Teodósio (reinado de 378 a 398), que emite um decreto obrigando a todos os submetidos ao Império Romano a serem cristãos, utiliza-se de procedimentos de sincretismo, entendido como uma “estratégia de adaptação” em que um corpo de antigos textos, rituais e procedimentos ligados à esfera do sagrado são aproveitados na nova hierarquia religiosa que se estabelece. Nos últimos 200 anos, inclusive, depois de ter sido decifrada a antiga escrita da civilização nilótica, pode-se reconhecer, por exemplo, em preces africanas, datadas do 2º milênio a.C., valores de solidariedade e compaixão para com o próximo que também aparecem no Novo Testamento, como no trecho de “O Livro Egípcio dos Mortos”, de Bugde: “Fiz com que o deus ficasse em paz [comigo fazendo-lhe] à vontade. Tenho dado pão ao homem faminto, água ao homem sedento, roupas ao 28 homem nu e um barco ao marujo [que naufragou]. (...) Sou limpo de boca e limpo de mãos, seja-me dito, portanto, pelos que me virem: vem em paz, vem em paz” (1993, p. 329). Bárbara nasceu, segundo relatos, cerca de cem anos antes de a Igreja Romana se organizar em moldes estabelecidos a partir de decretos imperiais. A história de sua vida foi registrada por escrito por volta do século X, quando Simeon Metafrastes encarrega-se de editar um “Feitos dos Mártires”, incluindo o nome dela. Tanto Metafrastes quanto Mombrito, que deixaram livros sobre santos, colocam o local de martírio de Bárbara em Heliópolis, no norte da África. Outros relatos citam a Toscana, na península itálica, o que sugere que a lenda latina de Santa Bárbara inclui um vasto território geográfico. A própria Heliópolis, conhecida como a cidade do sol, pode ter sido associada ao nascimento da mártir porque o astro, no antigo Egito, recebia a denominação de Re ou Ra, sílaba contida no nome da santa. Além disso, o som “ba” que, também entre egípcios, tinha o significado de “alma”, sugere o nome Bárbara. O conjunto de dados históricos referentes a Santa Bárbara que, no Brasil e na Cidade de Salvador, sobretudo, é lembrada associada a Iansã, sugere que, desde quando da morte da mártir, sua representação já incluía uma significativa aproximação com uma divindade africana. Se, hoje, algumas autoridades, tanto católicas quanto de culto afro, fazem esforço para combater o sincretismo, escandalizando-se ou rejeitando uma “dupla pertença”, tal não parece ter sido uma preocupação para os antigos habitantes da Ásia Menor, para quem Bárbara foi imediatamente enquadrada num protótipo já conhecido de divindade no momento em que o raio entra na sua história de vida. É possível admitir, portanto, que a Bárbara “turca” e a Iansã nagô não seriam divindades tão distantes assim uma da outra para as pessoas que ajudaram a criar e manter viva sua devoção no século III. Neith, inclusive, pode ter sido a representação mais antiga que teria moldado ambas, a santa e o orixá. 29 IANSÃ: MÃE NOVE VEZES * Carla Bahia mais simples. Aqui no Brasil, o candomblé, enquanto religião que os cultua, tem visões múltiplas – o que não quer dizer que sejam divergentes – sobre um mesmo assunto. Mas isso faz parte, sobretudo, do processo histórico iniciado em meados do século XVI, quando muitas pessoas foram trazidas do continente africano na condição de escravo. No livro “Candomblés da Bahia”, Edison Carneiro registrou: “O tráfico trouxe escravos de regiões diferentes – da Guiné Portuguesa (Costa da Malagueta), do Golfo da Guiné (a Costa da Mina, outrora dividida em Costa do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos) e de Angola, dando a volta ao Continente para alcançar a Contra-Costa (Moçambique). Os pesquisadores brasileiros: seguindo o lead de Nina Rodrigues, dividem os africanos chegados ao Brasil em dois grandes grupos lingüísticos: sudaneses (os da Guiné e da Costa da Mina) e bantos (Angola e Moçambique)” (1954, p. 43). A mitologia africana é envolta em mistérios e simbologias, como tantas outras. Por isso, contar a história de um orixá talvez não seja tarefa das Esses povos de diversas regiões chegaram com seus cultos fundamentados nas realidades de origem de cada um. Alguns tinham formação religiosa com base no respeito e adoração a divindades, prováveis antepassados: o orixá, aqui também chamado de “encantado”. * Jornalista 30 31 Em “Iansã: rainha dos ventos e das tempestades”, Helena Theodoro diz que: “Muitas foram as etnias que se mesclaram nas Américas e cujos membros foram genericamente denominados de ‘negros’. Esses ‘negros’ preservaram suas tradições culturais, que tomaram variadas formas, como o candomblé, no Brasil, a santería, em Cuba, e os voduns, no Haiti” (2010, p. 23). território chamado Iorubá, um panteão dos orixás bem hierarquizado, único, idêntico” (2002, p. 17). Os orixás, ainda em vida sobre a terra, seriam pessoas que se destacavam em suas atividades, muitas vezes. Tinham um conhecimento além das coisas cotidianas e sabiam lidar com certas forças da natureza, com o poder de plantas e poderiam, ainda, ter o controle sobre o fogo ou o vento, por exemplo. Após a passagem entre os homens, esses espíritos com poderes divinos continuavam seus trabalhos de cura e proteção, algumas vezes através de um mecanismo em que se apossavam momentaneamente do corpo de um de “seus filhos”, em um fenômeno mediúnico conhecido popularmente no Brasil como “incorporação”. “O orixá é uma força pura, àse [axé] imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido E é esse candomblé que traz várias versões para as lendas de um mesmo orixá. Esta palavra, inclusive, é a mais utilizada aqui para identificar figuras míticas (ou deuses) de matriz africana. Ligeiramente classificando: é de nação Queto (ou Nagô), na língua Iorubá, enquanto as similares vodum e inquice são, respectivamente, de nações Jeje e Angola (ou Congo-Angola). De uma maneira geral, a mitologia afro-brasileira busca apresentar um perfil mais ou menos parecido ao se falar de um deus do fogo, o outro do mato ou uma deusa da água, por exemplo. Contudo, não se pode pensar em uma categorização exata de um orixá, de um vodum e de um inquice da mesma maneira que se faz com um ou outro santo presente na devoção católica do Vaticano (que registra datas de nascimento e de morte e personifica os trabalhos ou benfeitorias de cada um), porque são construções culturais diferentes. Ratificando que os cultos de matriz africana reúnem influências de muitas regiões do continente, Pierre Verger, no livro “Orixás. Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo”, escreveu: “O termo ‘Òrìsà’ nos parecera outrora relativamente simples, da maneira como era definido nas obras de alguns autores que se copiaram uns aos outros sem grande discernimento, na segunda metade do século passado [XIX] e nas primeiras décadas deste [XX]. Porém, estudando o assunto com mais profundidade, constatamos que sua natureza é mais complexa. Léo Frobenius é o primeiro a declarar, em 1910, que ‘a religião dos iorubás tal como se apresenta atualmente só gradativamente tornou-se homogênea. Sua uniformidade é o resultado de adaptações e amálgamas progressivos de crenças vindas de várias direções’. Atualmente, setenta anos depois, ainda não há, em todos os pontos do 32 pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn, aquele que tem o privilégio de ser ‘montado’, gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar à terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram” (VERGER, 2002, p. 19). Esse intercâmbio entre “dois mundos”, feito através de muitos rituais e cheio de simbologias, no qual o elégùn passou a se chamar cavalo (pois é “montado”) ou filho-de-santo (pela relação familiar), ainda ganhou, no Brasil, além das três divisões em nação (e suas subdivisões), a variação de culto a índios. Essa terceira linha religiosa, no Brasil, quando acrescida do catolicismo e da filosofia do espiritismo, recebeu, há pouco mais de cem anos, também, o nome de Umbanda. Em “Candomblés da Bahia”, Edison Carneiro fala dessas relações quando já estabelecidas aqui: “O candomblé incorpora, funde e resume as várias religiões no negro africano e sobrevivências religiosas dos indígenas brasileiros, com muita coisa do catolicismo popular e do espiritismo. [...] Os deuses e os mortos se misturam com os vivos, ouvem as suas queixas, aconselham, concedem graças, resolvem as suas desavenças e dão remédio para suas dores e consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante, nem superior, e o crente pode conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua beneficência” (1954, p.31). 33 O Brasil herdou também outro tipo de culto afro, além do de orixás, inquices e voduns: o Babá-Egum. “As comunidades-terreiros de candomblé cultuam os orixás associados às forças da natureza. Já as comunidades-terreiros de culto de Egungun reverenciam os ancestrais, chefes de clãs ou líderes que se destacaram por atos excepcionais durante suas vidas, havendo uma separação rigorosa desses cultos, já que cada um tem doutrina e liturgia próprias. Egungun ou Babá simboliza conceitos morais e representa o mistério da transformação de um ser-deste-mundo (vivo) e um ser-do-além (morto)” (THEODORO, 2010, p.96-97). como esposa, foi perguntar à senhora das águas o que ela fez para conquistar o rei. E Oxum, para desviar Obá do seu caminho e ser a única rainha ao lado de Xangô, disse que havia feito uma porção com uma das orelhas e dado para o marido tomar. Como Oxum andava com um torço ou com os cabelos enrolados à cabeça, presos, não mostrou, assim, o lado ferido pela ausência de um dos órgãos. Obá, crente que Oxum tinha feito a tal porção, seguiu a mesma história, fez um chá e serviu ao marido, que, vendo-a sem uma orelha, não gostou. Foi então que Obá percebeu que tinha caído numa armadilha de Oxum. Quando Oiá chegou ao reino junto com Xangô, Oxum percebeu que, apesar de ter afastado Obá do marido, sofria ameaça com a chegada da nova esposa, uma mulher sensual, forte, alegre e desprendida. Oxum, mesmo muito bela também, brigou com Oiá para afastá-la do rei, antes que ele a tornasse a mulher mais importante do Reino de Oió. A nova esposa, então, fugiu para a floresta e foi viver com o caçador Oxóssi, abandonando o segundo marido. A fúria de Xangô foi tão grande que as três esposas foram transformadas em rios que levaram seus nomes: Obá, Oyá e Osum. Todos nigerianos. “Associada com a água e a chuva, é considerada a filha de Oxum. Está ligada à floresta, aos animais, aos espíritos que a povoam, evocando a idéia de perigo mortal para o caçador. Segundo os mitos, Oiá assume a forma de um búfalo africano que vive em charcos lamacentos”. (THEODORO, 2010, p. 104). Assim, Iansã, também chamada de Oiá, que, segundo a mitologia, é mãe dos eguns, tem suas lendas contadas a partir de todas essas influências. Matamba e Bamburucema, por exemplo, são nomes freqüentemente associados ao dela, contudo, não são, originalmente, orixás, mas, inquices. Todas quatro estão representadas, além de outras características, em uma figura feminina, divindade dos ventos, materna e guerreira. As lendas Uma das histórias diz que Oiá era uma mulher-búfalo. O capitão Ogum, enquanto caçava, ia matar o animal que, misteriosamente, virou uma linda e encantadora mulher, por quem ele se apaixonou e com quem se casou. Outra versão para essa mesma lenda diz que Iansã, já esposa de Ogum, teria feito uma fantasia de búfalo para fugir às escondidas, de vez em quando, e se encontrar com Xangô, por quem era apaixonada. Podemos ver, ainda, uma lenda que diz que Iansã teria fugido de casa deOgum era o ferreiro da Cidade de Oió, que tinha Xangô como rei. Certa vez, passando próximo ao capitão, Xangô pediu para que Oiá fosse sua, mas Ogum não aceitou. Ela, que também tinha se apaixonado pelo rei, foi embora, mesmo sem que seu marido concordasse, para virar a terceira mulher de Xangô. Ogum, revoltado, trocou golpes de espada com a guerreira, que ficou dividida em nove pedaços, mesma quantidade de filhos que teria tido com o ferreiro. Em outro enredo, o rei Xangô era casado, primeiramente, com Obá e, depois, com Oxum, a rainha do feitiço. Obá, intrigada com Xangô, que aceitou Oxum 34 pois que sua mãe, enciumada, a renegou pela beleza e sensualidade que a moça estava ganhando. Oiá, então, foi se esconder em uma gruta no meio do mato. Em um momento de fraqueza, após um período difícil em seu reino, Xangô tinha ficado algum tempo escondido, também, numa gruta. Após a fase triste, ele retornou ao reino. Quando contou a Ogum como fora o tempo em que passou escondido e onde esteve, Ogum pediu que fossem ao local para ele conhecer. 35 Quando chegaram lá, encontraram uma mulher deslumbrante, com olhar forte e desafiador, pela qual os dois ficaram interessados. Era Oiá, que contou como foi parar naquela gruta, a mesma que o rei Xangô havia usado no recolhimento. Depois de conhecer um pouco da vida daquela mulher, Xangô, sensibilizado, ofereceu-se como pai e deu oportunidade a Iansã de lutar contra os inimigos ao lado dele e do irmão, Ogum. Ela era mesmo uma mulher forte e guerreira e Ogum não escondeu o entusiasmo de ter conhecido uma beldade como aquela, a quem pediu em casamento. Oiá respondeu que, depois de ter sido adotada pelo rei Xangô, era ele quem decidiria com quem ela deveria casar. Se fosse do consentimento do novo pai, ela seria esposa de Ogum. Certa vez, Xangô pediu que Oiá fosse buscar, junto com Ifá, deus da adivinhação, um saco com os segredos de como desencadear os relâmpagos e trovões. Muito curiosa, independente e sem querer que o poder fosse todo para Xangô, roubou para si o domínio dos relâmpagos, enquanto o rei ficou com a magia dos trovões. Uma variação dessa história diz que Iansã, primeira mulher de Xangô (não a terceira, como já foi dito), era a única por quem ele tinha se apaixonado e a quem ele confiou uma missão. Pediu que Oiá fosse buscar, sem que ninguém soubesse, uma poção mágica que ele tinha encomendado. O rei não disse para que serviria a mistura, mas a esposa se preparou para provar do segredo. Quando, então, Iansã abriu o recipiente, encontrou bolinhas de algodão embebidas em azeite de dendê. Sem pestanejar, engoliu uma e se tornou a senhora que conhecia o segredo do acará, o bolo de fogo, representação do poder sobre os raios e trovões. Enquanto isso, o marido ficara, somente, com o poder do próprio fogo, que, para ser alimentado, precisaria dos ventos de Iansã. Gisèle Cossard, no livro “Awô: o mistério dos orixás”, descreve a força da aiabá (orixá feminino): Os significados em Iansã São realmente muitas versões em torno de um único mito, mas é comum, ainda, que se escute, além dessas histórias, a de que ela era a única mulher em quem Xangô confiava. Oiá teria ficado até o momento de passagem do rei para o “mundo encantado” (virado orixá), ao lado dele, batalhando pelo crescimento do marido e pela proteção do povo do qual ele era rei. 36 37 “Também conhecida como Iansã, Oyá se manifesta no vento, nas tempestades e nos tornados: ativa o fogo, acende o relâmpago, destrói casas e arranca as árvores, arrasando tudo com sua passagem” (2006, p. 54). de, haveria de servir para confeccionar as vestimentas de Egúngún. Tendo cumprido essa obrigação, Oiá tornou-se mãe de nove crianças, o que se exprime em iorubá pela frase: ‘Ìyá Omo mésàn’, origem no do nome Iansã” (2002, p. 168-169). Por isso, quando as trovoadas e os raios anunciam chuva, diz-se “Que os bons ventos soprem”, mas na língua de Oiá: Eparrei! Essa saudação é grafada de várias formas: “Eparrei”, “Eparrê”, “Epa Hey”. A expressão é bem parecida com o som que os filhos-de-santo, quando “incorporados” por Iansã, emanam na hora que os atabaques das cerimônias religiosas saúdam a entidade: “rei”, com ênfase nos fonemas da letra r e da letra e. A designação “Oiá” também tem sua justificativa: “Oiá é o nome usado na Nigéria para Iansã, a deusa a quem é dedicado o Rio Níger, que é conhecido como Odo Oiá, o rio de Oiá. O-ya significa ela rasgou em iorubá, que nos dá uma idéia de vento desastroso em sua passagem” (THEODORO, 2010, p. 103). Cossard (2006) apresenta sete variações – também chamadas de qualidades – para a deusa Iansã: Icú Oyá (carrega a morte), Oyá Onirá (ligada a Oxum), Jegbê (a mais velha), Jimudá (ligada a Oxalá), Cará (é o fogo), Padá (dá luz aos eguns) e Balé (que comanda os eguns). Ainda na época em que se fazia necessário cultuar os santos católicos na intenção dos deuses africanos, Santa Bárbara (trazida ao Brasil pelos colonizadores portugueses) era associada tanto a Oiá, quanto a Xangô. Dizia-se que os devotos nagôs de Bárbara, quando eram homens, cultuavam, na verdade, o Rei de Oió, enquanto as mulheres seriam filhas de Iansã. Com o tempo, Xangô deixou de ser associado à santa, primeiramente porque Bárbara é de gênero feminino, depois porque a “mártir católica”, que teria sido degolada pelo pai e ele, por sua vez, morrido, logo após, com descargas de raios, traz uma lenda com características mais ligadas à aiabá Iansã. É nesse contexto histórico e mítico que Oiá é vivida na Bahia. Pelas figuras de força e com poderes sobre os raios, Iansã e Santa Bárbara são comparadas, associadas e suas histórias foram sofrendo releituras ao longo dos tempos, a partir das “lendas” que envolvem as duas. Essa relação, inclusive, deu vez a ditados populares contidos no processo de bifurcação religiosa entre os cultos de matriz africana e o catolicismo: “Não é que Iansã seja Santa Bárbara, é que Santa Bárbara é de Iansã”. Já o nome “Iansã” é associado ao número nove. Por isso, inclusive, um dos enredos de sua lenda conta que, na briga com Ogum, ele a dividiu em nove pedaços, “mesma quantidade de filhos que teria tido com o ferreiro”. “Oyá comanda os Eguns, o povo do além, mantendo-os fora do mundo para que não venham perturbar os humanos. Ela os obriga a ficar nas nove partes do céu que lhes são reservadas, os nove oruns, daí o segundo nome de Oyá: Oyá mesan orum, Oyá dos nove céus, que se tornou Iansã” (COSSARD, 2006, p. 54-55). Verger (2002) apresenta mais um enredo para a versão do nome Iansã, fazendo conexão entre a indumentária utilizada nos rituais de Babá-Egun: “Oiá Lamentava-se de não ter filhos. Esta triste situação era conseqüência da ignorância a respeito das proibições alimentares. Embora a carne da cabra lhe fosse recomendada, ela comida a de carneiro. Oiá consultou um babalaô, que lhe revelou o seu erro, aconselhando-a a fazer oferendas, entre as quais deveria haver um tecido vermelho. Este pano, mais tar38 39 ICONOGRAFIA * Sônia Ivo Santa Bárbara F igura católica conhecida como mártir que tem poder sobre os raios, Santa Bárbara, nas representações iconográficas, usa túnica e manto. Sua imagem traz cabelos longos caindo em mechas onduladas, enquanto sua cabeça descoberta é cingida por uma coroa de flores, que é utilizada para sinalizar a virgindade, ou por um diadema, remetendo às coroas de princesas medievais. Entre os atributos que identificam Santa Bárbara está um cálice com uma hóstia, fazendo referência ao sangue e ao corpo de Jesus Cristo, por quem ela foi martirizada. Há, ainda, a representação da torre onde, segundo sua lenda, ela foi aprisionada e na qual teria aberto uma “terceira janela”, em honra da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Em uma das mãos da santa, encontramos uma folha de palma, símbolo do martírio, enquanto em outra, a espada, aludindo à decapitação que sofreu depois da briga com o pai. Algumas vezes, a imagem está ao lado de um canhão, por ser padroeira dos artilheiros. A cor vermelha é marcada nas vestimentas da santa lembrando o sangue que foi derramado na sua morte. O branco, também presente, refere-se à pureza, à sua virgindade. Iansã Com a influência das produções de imagens dos santos católicos em madeira ou gesso, passou-se a confeccionar, também, iconografias dos orixás. Iansã é repre* Museóloga 40 41 sentada por uma mulher negra, de roupas rosa, vermelha, branca e vermelha ou somente branca, assim como o são as indumentárias das filhas-de-santo na hora dos rituais sagrados. Numa das mãos, Oiá leva uma espada, simbolizando suas lutas, na outra, um eruexin, formado por uma crina de cavalo presa a um cabo de metal, utilizado para espantar egungúns. Iansã traz na cabeça uma coroa real, chamada adê, com um filá, um tipo de cortina cobrindo o rosto, como todas as deusas africanas aqui cultuadas. Nos rituais dos terreiros, as filhas de Oiá utilizam no pescoço uma corrente de ibá, feita normalmente de cobre, de onde pendem miniaturas de atributos das aiabás. Usam, também, um dilogum (ou edilogum), que são colares feitos com 12, 14 ou 16 fios-de-contas (ou pernas), ordenados em conjuntos simbólicos, arrematados por uma “firma” (uma conta maior, ovalada ou cilíndrica). No peito, trazem um ojá, uma tira de tecido fazendo um enorme laço no busto. Vemos, ainda na iconografia de Iansã, um abebê, semelhante a um leque fixo em um cabo, abano geralmente em cobre, com desenhos incisos fazendo alusão a Santa Bárbara, como cálice, alfanje, raio. Complementando a indumentária, as filhas-de-santo utilizam braceletes compridos, em forma de copo, além de correntes e chifres de boi encastoados em cobre. 42 43 O CULTO A SANTA BÁRBARA NA BAHIA * Nívea Alves dos Santos melho e branco para homenageá-la. Durante todo o dia, essas cores se misturam, dando mais vida aos espaços do Centro Histórico de Salvador e do Bairro da Liberdade, locais onde são realizadas manifestações em louvor à santa. O culto a Santa Bárbara, aqui, data a partir do século XVII, quando o casal Francisco Pereira do Lago e Andressa de Araújo fundou, na região do comércio da primeira capital do Brasil, um morgado com capela para sua santa de devoção, Bárbara. Eram denominados de morgados os acúmulos de bens, como propriedades e jóias, que garantiriam certo conforto material, sobretudo, ao filho primogênito de quem os instituía. O de Santa Bárbara, formado em 1641, tinha a finalidade, portanto, de assegurar bens terrenos e garantias econômicas aos descendentes do casal Pereira do Lago. Francisco e Andressa tiveram apenas duas filhas: Madalena e Francisca Pereira do Lago, em favor de quem foi reunido o patrimônio, composto de prédios e capela. Dois anos antes de instituído o Morgado de Santa Bárbara, em 1639, Francisco havia sido nomeado, pelo então governador Conde da Torre, capitão de infantaria e, em 1649, assumiu o posto de general. A primeira referência a Francisco Pereira do Lago é de 1624, quando lutou como capitão contra a invasão dos holandeses na Cidade de Salvador. Com o tempo, o morgado foi sendo destituído e transformado em mercado, situado ao pé da Ladeira da Montanha, onde atualmente está o prédio da Rede Ferroviária Federal, na Praça da Inglaterra. Segundo a historiadora Hildegardes Vianna, no “Calendário de Festas Populares da Cidade do Salvador” (1983), todos os anos, no mercado que integrava o Morgado de Bárbara, bem como no Mercado * Antropóloga 44 45 O ciclo de festas populares em Salvador se inicia no dia 04 de dezembro com as homenagens a Santa Bárbara. Nesta data, a cidade se veste de ver- de São João, que lhe ficava fronteiriço, os encarregados dos festejos se movimentavam para uma cotização geral. Os negociantes do comércio da Cidade Baixa de Salvador davam contribuições, sem exceção. O nicho era reformado e se fazia uma rigorosa limpeza no Mercado de Santa Bárbara, onde cordões de bandeirinhas coloridas, palmas de coqueiro e folhas de pitanga ornamentavam o espaço. Toda essa arrumação era para a festa de 04 de dezembro. A imagem, que em princípio esteve na Igreja do Corpo Santo, foi, ainda, para a Igreja do Paço, na região do Carmo, e, finalmente, para o antigo mercado da Rua da Vala. Esse último, aliás, inaugurado em 28 de fevereiro de 1874, é o que foi batizado com o mesmo nome do antigo que ficava no morgado, Mercado de Santa Bárbara. Segundo Waldir Freitas Oliveira, em “Santos e Festas de Santos na Bahia” Quando o grande dia chegava, havia missa na Igreja do Corpo Santo ou na Matriz da Conceição da Praia, ambas na Cidade Baixa. Pierre Verger, no livro “Bahia – 1850”, que aponta as celebrações a Santa Bárbara como as que inauguravam o ciclo de festas populares na Bahia, registra, ainda, o perfil do festejo, desde aquela época: “A festa de Santa Bárbara que cai no meio da novena de Nossa Senhora da Conceição é celebrada, sobretudo, pelos africanos e pelas pessoas que trabalham no mercado de Santa Bárbara na cidade baixa [...] a festa católica consiste em uma missa e uma procissão em torno do mercado dos Arcos de Santa Bárbara. Os devotos dessa santa organizam regozijos no interior do mercado, onde sambam e bebem cachaça em abundância” (1999, p.73). (2005), não há certeza, ainda, sobre a data em que transferiram a santa para o mercado na Baixa dos Sapateiros e há indícios que a imagem tenha permanecido durante certo tempo no Paço. Nesse período, inclusive, a festa foi mantida e a santa, em procissão, levada ao mercado, no dia 04 de dezembro, após a missa. O novo mercado da Baixa dos Sapateiros, arrendado pela família Pompilho, tinha como padroeira Nossa Senhora da Guia, mas deu lugar a Santa Bárbara. Em 1946, a mártir católica recebeu um altar especial dentro daquele estabelecimento. Porém, devido à precariedade das instalações e à necessidade de reformas no centro comercial, que estava interrompendo suas atividades, a imagem foi transferida, em 1987, para a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, localizada na rua à frente, no Largo do Pelourinho. O mercado reabriu em dezembro 1997, mas a antiga santa continuou abrigada na igreja. Em depoimento no livro “Orixás, santos e festas: encontros e desencontros do sincretismo afro-católico na cidade de Salvador”, de Vilson Caetano de Souza Junior, o senhor Albérico Paiva (já falecido), que era Mestre de Noviços da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, afirma: “Duas africanas vendedoras de fato na gamela, mandavam todos os anos celebrar missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário para a Santa no dia dedicado a ela pelo calendário católico. A santa era trazida do mercado, Após um incêndio que destruiu o que restava do morgado, a imagem de Santa Bárbara, que ficava em uma capelinha própria, foi transferida para a Igreja do Corpo Santo, onde a devoção continuou sendo mantida pelos negociantes de toda a área. Bárbara havia ganhado fiéis, sobretudo entre os populares. Por motivo de degradação e vários incêndios, o centro comercial que recebia o nome da santa foi desativado do primeiro local e transferido para outro, já na parte alta da cidade. No livro “Bahia Prá Começo de Conversa” (1982), Anísio Felix indica que isso deva ter ocorrido por volta de 1889. De acordo com comerciantes do atual Mercado de Santa Bárbara, localizado na Avenida J. J. Seabra (Baixa dos Sapateiros), uma imagem foi trazida de Portugal diretamente para os barraqueiros do antigo morgado, há pouco mais de 130 anos. Seria, portanto, a mesma abrigada na igrejinha do Corpo Santo. 46 ouvia dizer a missa e voltava em procissão. Esta seria a origem da festa. Isso tornou-se uma tradição! Com o passar do tempo, devido ao estado que se encontrava o mercado na década de 80, a Santa foi trazida para a Igreja do Rosário e a partir daí a procissão sai daqui até os dias de hoje” (2003, p.128). 47 A festa no século XX: procissão e caruru Desde o período ao qual o senhor Albérico se refere, a Igreja do Rosário dos Pretos abre suas portas para a celebração a Santa Bárbara com missa solene. Como de costume, logo depois, a procissão percorria o Centro Histórico de Salvador. Até início da década de 1970, a procissão originava-se no mercado, depois da missa, que ali também já foi realizada, e os fiéis seguiam percorrendo a Baixa dos Sapateiros, fazendo parada no 1º Batalhão do Corpo de Bombeiros e após, subindo a Ladeira da Praça, passando pela Rua da Misericórdia, Praça da Sé, pelo Terreiro de Jesus, descendo, então, para a Praça José de Alencar, mais conhecida como Largo do Pelourinho. Em meados dessa mesma década, o trajeto fazia o caminho em sentido contrário, partindo do Largo do Pelourinho, subindo pela Rua Alfredo de Brito, passando pelo Terreiro de Jesus, Praça da Sé e Rua da Misericórdia, descendo, então, a Ladeira da Praça, fazendo a parada no Corpo de Bombeiros e seguindo depois pela Baixa dos Sapateiros até chegar ao Mercado de Santa Bárbara. Nos anos de 1990, durante a execução do Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador, em vez de cruzar a Rua Alfredo de Brito até o Terreiro, o trajeto seguia por uma rua vizinha, João de Deus. A partir dos primeiros anos do século XXI, a procissão, que continua partindo do Largo do Pelourinho, sobe pela mesma Rua João de Deus ou pela Rua Gregório de Mattos. Essa procissão é seguida pelos andores com imagens de Nosso Senhor do Bonfim, Nossa Senhora da Guia, São Lázaro, São Benedito, Santo Antônio de Categeró, São Miguel, São Jorge, São Sebastião, São Jerônimo e os santos Cosme e Damião. Logo após o recolhimento da imagem, o caruru é servido e a festa é tomada pelo que se chama de “a parte profana”. O autor Geraldo da Costa Leal, no livro “Salvador dos Contos, Cantos e Encantos”, retrata a folia nos anos passados: “Salvo no Mercado de Santa Bárbara, em que a festa era no seu interior, sistematicamente, aquelas eram realizadas ao ar livre, nas chamadas festas de largo e qualquer pessoa podia participar. Formada a roda, era ouvido o som de um cavaquinho, estrepitoso bater de palmas no ritmo da música, acompanhado de um pequeno atabaque, colocado 48 embaixo do braço de algum participante, batido com as duas mãos, um chocalho, um pandeiro e muitas vezes os instrumentos paravam para se ouvir uma faca ser arranhada na borda de um pano de cozinha, completando a sonoridade inusitada e distinta. As palmas não paravam, e no contorno da roda uma crioula ou mulata sambava rodopiando. Nem todos os componentes das rodas eram jovens, havia até velhos e senhores participantes com grande habilidade dançante, que passavam a outro componente o direito de se apresentar no centro da roda. Com uma umbigada, transferiam a outro bailarino a responsabilidade de uma grande exibição de movimentos dos pés, o molejo das cadeiras, dos ombros e dos braços, enfim, todo o corpo em requebros, recebendo caricias das próprias mãos que ficavam inquietamente eróticas. Acompanhados de passos curtos ou longos, de pés descalços ou com sandálias, aqueles miudinhos pés quase juntos, chamados ‘corta jaca’, alternados com os largos, num baile de fazer inveja a mais erudita dançarina” (2000, p.95). Os comerciantes do Mercado de Santa Bárbara conservam a tradição de servir o caruru em um banquete para, aproximadamente, 12 mil pessoas. Contudo, os organizadores da festa no Mercado encontram dificuldades para a manutenção do costume, devido à falta de recursos. Ainda assim, durante o dia da festa, o Mercado é muito movimentado, tanto por fiéis que vão visitar o altar para fazer pedidos e agradecer, como pelos já freqüentadores que vão em busca da diversão. Os louvores à mártir católica só começaram na Baixa dos Sapateiros com esse formato que conhecemos hoje no século seguinte às transferências dos mercadores para o local. Em 1912, por iniciativa de três mulheres que comercializavam ali, Bibiana, Luzia e Pinda, todas devotas de Bárbara, uma festa para marcar a passagem do 04 de dezembro foi organizada, independente da Igreja. Pinda, no primeiro ano dessas homenagens, cedeu uma parte do seu açougue para que ali fosse colocada a imagem. Cinco anos antes, ratificando a convergência religiosa característica desse festejo, uma filha-de-santo se destacou, como aponta Jocélio Teles dos Santos no seminário “Eparrei, Bárbara: fé e festas de largo do São Salvador”. 49 “O dia quatro de dezembro de 1907 foi uma referência para a secular festa de Santa Bárbara. Uma negra chamada Balbina, fateira muito conhecida na cidade do Salvador, filha de Iansã, convidou pais e mães-de-santo ‘afamados’ para reverenciar a santa e a orixá no mercado de Santa Bárbara. Este ano foi considerado o ‘ponto alto’ da festa de Santa Bárbara. Além de prestigiadas lideranças afro-religiosas, estavam presentes reconhecidos mestres de capoeira como Pedro Porreta e Bocloró, e algumas figuras bastante populares do cotidiano baiano, como Maria Comprida” (2005, p.33). “Notas Eclesiásticas – Na Egreja do Corpo Santo, será celebrada, domingo próximo, às 7 horas da manhã, missa festiva em louvor à Santa Bárbara. Este acto é mandado realizar pela devoção de Santa Bárbara, no bairro commercial”. (Diário da Bahia, 03 de dezembro de 1910, p. 02) “Santa Bárbara – A Egreja Catholica dedica o dia de hoje à Gloriosa Santa Bárbara. Na Egreja do Corpo Santo, houve missa às 8 ½ horas da manhan, em louvor àquela Santa”. (Diário de Notícia, 04 de dezembro de 1912, p.02) Aliás, a festa reunia mesmo figuras marcantes entre os populares da época. Além de Pedro Porreta e Bocloró, outros capoeiristas lendários, como Pedro Piroca e Chico Três Pedaços. Juntos, jogavam capoeira num espetáculo à parte. Conta-se que nem mesmo a presença policial os intimidava, nesse tempo em que capoeira não era vista como esporte nem mesmo expressão cultural, como é hoje. Outra que por muitos anos se destacou nos festejos populares na Bahia, principalmente na Festa de Santa Bárbara, foi Maria Comprida, à qual Jocélio Teles se referiu; mulher do povo, conhecida por beber cachaça. Onde havia arruaça, ela estava presente. Carlos Torres, no livro “Vultos, Fatos e Coisas da Bahia”, igualmente a menciona: “Maria Compridinha – parda, bastante alta e magra, morava na Rua de Baixo (hoje Carlos Gomes), muito conhecida dos rapazes afidalgados da época, tocava regularmente piano. Diziam caluniosamente, ter sido preferida de importante autoridade da época. Havia sido proprietária, possuindo boas jóias e dinheiro. Quando saía era somente a carro. Morreu na indigência” (1950, p. 131). Algumas décadas depois, os festejos a Bárbara já eram apontados pela imprensa considerando a adoração em caráter popular: “Dia de Santa Bárbara. O dia de hoje, marca a folhinha, é consagrado à Santa Bárbara, cuja devoção, entre nós, reponta desde os tempos da colonização. De acôrdo com a tradição, fruto da influência da religião católica de seitas afro-brasileira, Santa Bárbara foi identificada como Ianssan, a deusa da trovoada, que comanda as forças dos elementos, faz chover e protege os seus devotos. [...] Além dos festejos típicos em vários postos da cidade, a festa religiosa propriamente dita se verifica no Mercado da Baixa dos Sapateiros, que tem o seu nome e onde a sua imagem é venerada. Esta manhã houve missa festiva e durante todo dia se realizarão naquele lugar, festividades de caráter popular”. (Jornal A Tarde, 04 de dezembro de 1950, p.02) Já nos anos 2000, o retrato da festa na imprensa pode ser visto assim: “Vermelho e Branco nas ruas. Entre as festas populares de Salvador, a de Santa Bárbara é uma das poucas de caráter quase estritamente religioso. Ontem foi dia de reverência à santa e os fiéis lotaram o largo do Pelourinho para a missa campal vestidos de vermelho e branco. A Igreja de Ainda assim, com o marcante comparecimento dessas figuras, a presença do povo-de-santo e de populares de uma maneira geral ficava à parte, algumas vezes. Jornais locais da época registravam a passagem do 04 de dezembro, mas somente na igreja Católica: “Notas Eclesiásticas – Em louvor da Gloriosa Santa Bárbara celebra-se hoje na Igreja do Corpo Santo, missa festiva”. (Diário da Bahia, 04 de dezembro de 1904, p. 01) 50 Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que guarda a imagem de santa Bárbara, não comportaria a multidão. (...) Quando o padre deu a bênção no final da missa, começaram as saudações a Santa Bárbara e a orixá Iansã, com aplausos e queima de fogos”. (Jornal A Tarde, 05 de dezembro de 2006, p. 07). 51 Bárbara, Iansã e o processo religioso na história Desde o período colonial, várias organizações religiosas foram criadas pelos gestores das classes dominantes da sociedade. Instituíram confrarias, irmandades e ordens terceiras que, apesar de não terem essa finalidade, com o tempo, fortaleceram a vida em comunidade dos africanos no Brasil, especificamente na Bahia. Tinham o objetivo de congregar indivíduos em torno de uma devoção a um santo, a manutenção do culto e a realização de suas festas, além de, posteriormente, comprar alforrias e auxiliar os desvalidos. Dentro dessas organizações, foram absorvidos pelos povos oriundos da África que, até então, não eram católicos, alguns elementos simbólicos da religião cristã. A partir de relações como essa, criaram-se diálogos religiosos caracterizados, fundamentalmente, pela intermistura de elementos culturais, abrangendo processos de interação com o objetivo de prevenir, reduzir ou anular conflitos. Essa relação foi batizada de “sincretismo religioso” e é apontada como característica dos festejos populares na Bahia. Para as religiões de matriz africana, esse sincretismo foi a forma de relacionar seus deuses aos santos, que, de certa forma, os africanos eram obrigados a cultuar por imposição da Igreja Católica. Isso, porém não significava uma fusão. Tratava-se de uma estratégia de transculturação sabiamente utilizada para a preservação e manutenção da religiosidade africana. 52 53 Em “O Liberato: o seu mundo e os outros”, Maria Inês Cortes Oliveira escreveu: “[...] assimilação do catolicismo pelos libertos teria operado da mesma forma que na religião popular geral, isto é, além da aceitação dos traços externos do culto, a doutrina teria sido criada a partir daqueles elementos que falavam mais perto às necessidades da comunidade liberta, em geral a africana. Da mesma forma, o sincretismo operando conveniências entre religiões africanas e o catolicismo popular, levando-nos a considerar a importância da resistência entre religiões afro-brasileiras e o catolicismo” (1998, p.79) da sociedade e de tudo que a natureza e a cultura podem oferecer de produtos, de objetos artesanais, comidas, folhas e principalmente encontros, pois é o espaço de estabelecer contatos, de viver as trocas, de reencontros, de organizar e marcar diferentes papéis socias, um lugar, portanto, de experimentar tradições, de comunicar, de socializar, de aproximar a pessoa de sua história, de apontar e manter identidades. Seguindo esses princípios, o mercado de Santa Bárbara na Baixa dos Sapateiros, Salvador, traz essas memórias remotas africanas e atualiza outras, que fazem sua dinâmica e seu próprio ser social e econômico. Há no Mercado de Santa Bárbara forte devoção religiosa a sua padroeira, que merece culto diário, aberto a manifestações, pedidos de agradecimentos à santa, que no imaginário popular é Diante desse processo histórico, Raul Lody, no livro “O Povo do Santo”, ressalta a relação entre Iansã e Santa Bárbara: também orixá”. Nesse perfil, em que cultos a santo católico e a orixá dialogam, é que outras referên“Santa Bárbara – Iansã, unidas pela única leitura, também se apresentam como verdadeiras heroínas das lendas dos orixás, arquétipos da valentia projetada em todas as situações em que a cultura popular localiza com especialidade o ritual dos terreiros” (1995, p. 86-87). cias também ganham força. Santa Bárbara é padroeira do Corpo de Bombeiros e, por isso, é reverenciada na sua passagem pelo quartel ao som de buzinas, saudações e onde é oferecido caruru aos que ali se encontram para homenagear a guerreira. Esse caruru é feito por integrantes da corporação e devotos de Bárbara ou mesmo por filhos de Iansã, através de parcerias, também, com comerciantes locais, que fazem doações. Uma missa é realizada pelo capelão militar e aberta à comunidade. Mas nem sempre foi assim. Além de alguns membros da Igreja Católica afirmarem a distância entre as figuras “guerreiras”, enquanto muitos faziam referência às duas, outros agiam para evitar essa manifestação de duplo devotamento. Em 1975, o Jornal Tribuna da Bahia publicou: “Bombeiros impedem Iansã de ser carregada pelo povo ‘Santa Bárbara sim, o povo não’ com essa determinação o comandante do Corpo de Bombeiros, proibiu a entrada tradicional dos devotos de Santa Bárbara (Iansã, rainha dos raios) nas dependências do quartel do Corpo de Bombeiros. Cerca de duas mil É nesse contexto que acontecem as comemorações a Santa Bárbara, deixando a estética da festa dinâmica. Existe todo um ritual envolvendo elementos católicos e da religiosidade afro-brasileira. O modo de vestir, de rezar, de cantar, de saudar. Segundo o etnólogo Waldeloir Rego, em artigo publicado no jornal Tribuna da Bahia (02 de dezembro de 1971), nas homenagens a Santa Bárbara havia um clima místico de uma etnia africana. Era realizado um grande candomblé no mercado pelo pai-de-santo na nação Angola chamado Rafael Boca Torta, enquanto havia missa na Igreja do Rosário dos Pretos realizada por um “’oficiante’ e assistente negros”. Por isso, quando a procissão entrava no mercado, era Santa Bárbara quem estava no andor, mas Iansã no ritual afro-brasileiro. Raul Lody, no catálogo da exposição “Eparrei, Bárbara: fé e festas de largo do São Salvador” (2005), considerou: “Dona do mercado, do tabuleiro, do oficio da baiana de acarajé é Iansã. O mercado é um lugar da história da mulher africana a afrodescendente, em especial da mulher nagô/iorubá. Está no mercado a síntese 54 pessoas se aglomeraram frente ao quartel. Houve empurrões, palmas, muita confusão, choros, manifestações, mas ninguém entrou” (04 de dezembro, p. 09). Ainda outro fato marcante tangendo o Corpo de Bombeiros no dia de Santa Bárbara havia sido registrado pelo mesmo veículo, a Tribuna da Bahia, quatro anos antes, em 1971. O que tinha virado costume foi interrompido: 55 “Quebrando uma tradição de cerca de 20 anos a Banda do Corpo de Bombeiros não acompanhou hoje a Procissão de Santa Bárbara, sendo substituída pela Banda da Polícia Militar. Segundo o Comandante Evaristo Leal, do Corpo de Bombeiros, a Banda foi requisitada pelo prefeito Clériston Andrade para ir tocar em Cruz das Almas” (04 de dezembro, p.05). uma procissão que percorre as ruas do Bairro da Liberdade, indo até o Bairro Guarani, retornando para a celebração de uma missa campal na Praça Nelson Mandela. Dom Roberto Garrido Padim, bispo da Igreja C. A. Independente, em entrevista para pesquisa sobre as celebrações a Santa Bárbara, ressaltou a forte presença das duas religiões nos festejos: a de matriz africana e o catolicismo. Ele conta que durante uma missa campal percebeu, entre os devotos, um babalorixá, vestido tradicionalmente que, em alguns momentos, retirava o gorro da cabeça, jogava para cima e gritava “Eparrei”. Ao final da missa, o bispo fez uma referência a este fato dizendo: “Tem gente que vem aqui e a gente sabe, é por causa de Santa Bárbara. Então, para aqueles que vem por causa de Santa Bárbara: ‘Viva Santa Bárbara’. Mas, àqueles que vem por causa de Iansã, por que não dizer: ‘Eparrei, Oiá”?! O diálogo religioso ou sincretismo, como é mais conhecido, que envolve os festejos populares em Salvador, representa elemento essencial para todas as formas de relação que tangem à devoção popular, suas maneiras de reverenciar os santos católicos e, também, os orixás, inquices e voduns. Assim, percebemos que a religiosidade afro-baiana resultou na capacidade de relacionar e diferenciar os elementos simbólicos atribuídos às suas divindades. Isso é, também, o resistir, manifestar a sua fé sem se desvencilhar das suas matrizes religiosas. Esses fatos não diminuíram o brilhantismo da festa. A cada ano, aqueles que participam das homenagens a Santa Bárbara trazem para o palco das ruas do Centro Histórico a fé, a alegria e o orgulho manifestado no choro, no sorriso, nos cânticos, nos agradecimentos pelas graças alcançadas. Os fiéis carregam o andor do santo de devoção em busca de conforto, sem esquecer de saudar a mártir católica e uma das divindades mais populares do culto afro-brasileiro, dizendo: “Viva Santa Bárbara” e “Eparrei, Iansã”. Dia quatro na Liberdade As homenagens à santa se estendem para além do Centro Histórico de Salvador. É no Bairro da Liberdade, local onde se concentra um significativo número de afro-descendentes em Salvador, que Santa Bárbara também é homenageada. Lá está situada a Paróquia de Santa Bárbara, fundada em 08 de dezembro de 1973. Monsenhor Waldir Guimarães do Espírito Santo a instalou ali com o objetivo de criar um movimento religioso de raízes na devoção popular. Então, foi escolhida Santa Bárbara como padroeira. Cerca de 40 anos antes, em 1930, durante o Congresso Católico Livre, em São Paulo, motivado pela opção da Ordem de Santo André em se emancipar, foi criada uma vertente do catolicismo: Igreja Católica Apostólica Independente, batizada de Igreja Brasileira. Esse movimento da Independente considera os santos da chamada Igreja Primitiva até o terceiro ou quarto século, época em que não existia canonização como a Igreja Católica faz hoje. Os santos eram apontados pelo povo. Então, Bárbara, de quem se conhece a história como alguém que viveu no século III, era bastante popular por aqui e, por isso, a paróquia em sua devoção. Monsenhor Waldir realizou, pela primeira vez, no ano de 1974, a festa para Santa Bárbara na Paróquia da Liberdade. Os festejos começam, até hoje, com o tríduo preparatório a partir de 1º de dezembro. Já no dia 04, há missa pela manhã, seguida de 56 57 A FESTA DE SANTA BÁRBARA NO PELOURINHO * Carla Bahia “Não desanime, moço. Hoje é dia de Iansã, mulher de Xangô, orixá dos raios e tempestades. Mais logo, nos terreiros, ela está descendo no corpo dos seus cavalos”. Dias Gomes em O Pagador de Promessas das tempestades, com canções, comidas e flores, mas são os exus os primeiros a celebrar. Apresentados como “Pomba-Gira”, “Tiriri”, entre outros, eles são os orixás, segundo a mitologia, que “oportunizam as coisas acontecerem”. Sempre que se começa um trabalho nos cultos afro-brasileiros, são para os exus as primeiras oferendas, para que dêem espaço ao povo-de-santo continuar os rituais sagrados. Nos terreiros de candomblé, nas cerimônias religiosas, são cantadas, geralmente, três músicas dedicadas a cada santo iorubano. Mas é Exu quem sempre recebe as primeiras homenagens. No mercado de Santa Bárbara, na Avenida J. J. Seabra, mais conhecida como Baixa dos Sapateiros, no Centro Histórico de Salvador, entre os dias 1º e 03 de dezembro, uma cerimônia discreta para purificação do espaço é feita por um * Jornalista 58 59 À s vésperas do dia 04 de dezembro, quando se comemora a Festa de Santa Bárbara, são feitas muitas oferendas a Oiá, deusa iorubana dos ventos e sacerdote de religião afro-brasileira, um babalorixá (ou pai-de-santo, como é popularmente chamado). Ninguém de fora nem, às vezes, alguns de lá sabem quando isso acontece exatamente. É uma limpeza feita, em geral, de madrugada, quando o comércio está fechado. E, nesse momento, o povode-santo conta com a presença dos exus. Diz-se que eles seriam os trabalhadores dos orixás. O antropólogo francês Pierre Verger explica, em “Orixás – Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo”: “É Exu que supervisiona as atividades do mercado do rei de cada cidade: o de Oyó é chamado de Èsù Akesan. Como orixá, diz-se que ele veio ao mundo com um porrete, chamado o ogò, que teria a propriedade de transportá-lo, em algumas horas, a centenas de quilômetros e de atrair, por um poder magnético, objetos situados a distâncias igualmente grandes. É o guardião dos templos, das casas, das cidades, das pessoas. É ele também que serve de intermediário entre os homens e os deuses. Por essa razão é que nada se faz sem ele e sem que oferendas lhe sejam feitas, antes de qualquer outro orixá, para neutralizar suas tendências a provocar mal-entendidos entre os seres humanos e em suas relações com os deuses e, até mesmo, dos deuses entre si” (2002, p. 76). Durante os dias primeiro e três, toda noite, uma cerimônia é realizada em louvor, além de Bárbara, a outros santos abrigados ali. É nesse período, também, que as devoções a Santo Antônio de Categeró, Santa Bárbara e São Benedito, acolhidas na igreja, comemoram a entrada de novos membros. Esse templo, aliás, é um importante patrimônio da cultura negra no Brasil, construído pelos bantos de Angola e do Congo, sob autorização do arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide. A Capela da Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo foi o primeiro espaço católico destinado especialmente ao povo africano. Abriga, desde aquela época, a Irmandade dos Homens Pretos e foi dedicada à devoção de Nossa Senhora do Rosário, ainda festejada ali todo mês de outubro. A instituição dessa igreja marcou um novo momento para aquele povo, pois foi nessa mesma região que um pelourinho era erguido, até o início do século XVIII. Além disso, no século anterior, holandeses, quando na invasão que fizeram às terras brasileiras, castigaram mais de 50 escravos, sob alegação de espionagem em favor dos espanhóis, como vemos no livreto “Pequeno Guia das Igrejas da Bahia”, de Maria José Rabello de Freitas. Nele também está registrado: “Nesse local de tão penosas recordações para os negros escravos da Bahia, foi, por eles, erguida, ainda no século XVII, pequena ermida sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário que, reconstruída, ainda se mantém aberta ao culto, embora afogada pelas construções residenciais que não puderam quebrar a magnitude da edificação” (1966, p. 06). Em muitas encruzilhadas, sobretudo de madrugada, são colocados presentes para os exus. Cachaça, fumo, flores, farofa de dendê e o que mais for necessário, de acordo com o pedido ou com a crença de cada um. Depois de trabalhos como esses, começam as comemorações a Iansã ou, ainda, para Santa Bárbara que, para alguns, representam a mesma divindade. Assim, apesar de o festejo ser realizado de acordo com o calendário litúrgico do Vaticano, na data tida como da morte da santa, Oiá é também senhora do dia 04 de dezembro, junto com Bárbara. Pois, é nesse mesmo espaço, conhecido hoje como Pelourinho, marcado pela superação, que se festeja Bárbara, a mártir católica. As devoções da Igreja do Rosário dos Pretos, os comerciantes do Centro Histórico de Salvador, devotos da santa ou mesmo os filhos de Iansã se organizam para arrumar a igreja, conseguir flores para ornamentação e dinheiro para preparar a festa ao gosto do povo. Na entrada da capela, inclusive, pode-se ver, às vésperas do dia 04 de dezembro, um varal que serve de vitrine para venda de camisetas – brancas e vermelhas – estampadas com imagem de Bárbara. Os lucros são revertidos para a festa. 61 O tríduo de Bárbara Na Capela do Rosário dos Pretos, na Praça José de Alencar (mais conhecida como Largo do Pelourinho), os festejos a Santa Bárbara começam já no primeiro dia dezembro, com o início de um tríduo à mártir católica. Ao cair da tarde, aos poucos, a nave da igreja começa a receber gente para a missa das 18 horas. 60 Ao se entrar na igreja, percebe-se, à direita, uma parte reservada apenas às mulheres das irmandades. À esquerda, aos homens. Ao centro, os bancos disponíveis a todos que queiram prestigiar as missas. Mas outra disposição chama a atenção: próximo ao altar, são arrumados atabaques, os instrumentos de percussão utilizados nos rituais sagrados do candomblé e bastante populares na música regional de Salvador. Em muitas missas realizadas na Capela do Rosário dos Pretos, inclusive nas de quarta-feira, dedicadas à santa guerreira, a ladainha católica segue acompanhada de canções e do toque desses instrumentos, ratificando a mistura cultural que deu origem à Bahia; à identidade soteropolitana. Todo ano, o tríduo a Bárbara segue essa cartilha, sobretudo porque a devoção à figura feminina protetora e guerreira, que é apenas Bárbara ou apenas Iansã para uns, é dupla também para outros. No dia 03 de dezembro, um palco que serve para a missa campal do dia quatro é armado na Praça José de Alencar, enquanto são ornados, também nas cores das guerreiras, as ruas do Pelourinho e o Mercado de Santa Bárbara, que fica logo abaixo. É também nesse dia, último do tríduo, que a sacristia da Igreja do Rosário fica, em geral, repleta de rosas, crisântemos e espadas-de-santa-rita, pois é hora dos últimos preparativos para a festa do dia seguinte. Os andores de madeira que desfilam no cortejo são posicionados, um a um, para serem decorados. As flores cobrem toda a bandeja onde cada santo é afixado, como se eles saíssem do meio de um arbusto. Para garantir que não caiam durante o percurso, as imagens são presas, até mesmo com cordas, pois os fiéis que acompanham a romaria disputam cada espaço para poder tocar num andor ou num dos santos, sobretudo, em Bárbara. Entre os últimos detalhes para a festa estão os preparativos do caruru, cardápio tradicional no dia 04 de dezembro. O banquete é servido tanto no Mercado de Santa Bárbara, quanto no 1º Grupamento de Bombeiro Militar (GBM). Mais conhecido como Corpo de Bombeiros da Barroquinha, ele funciona desde 1917 no mesmo prédio da esquina da Avenida J. J. Seabra com a Ladeira da Praça, em frente à Praça dos Veteranos. 62 O caruru de Iansã para Bárbara No Mercado de Santa Bárbara é oferecido caruru há pelo menos 100 anos. Já no Batalhão dos Bombeiros, ainda não se sabe ao certo o período em que a iguaria à moda baiana passou a ser servida. É fato que Coronel Humberto Sturaro, em 04 de dezembro de 1975, impossibilitou que o cortejo entrasse no quartel, para evitar “o candomblé que faziam” ali. Mas ele mesmo garantiu, em entrevista, que comeu caruru lá nesse dia e que, ”desde que se entende por gente, bombeiro e Santa Bárbara estão juntos”. Enquanto na Igreja do Rosário a festa tem início no dia 1º de dezembro, no Mercado de Santa Bárbara começa mesmo é no próprio dia quatro. Contudo, é lá também que, até meados do século XX, segundo alguns mercadores, havia samba e folia até o dia seis, quando era servido, então, o caruru. Dessa época, diz-se que eram os velhos capoeiristas e os vizinhos da chamada Quinta do Maciel (que tangia as atuais ruas Frei Vicente e Gregório de Mattos), no Pelourinho, que lotavam o mercado. Atualmente ainda há barraqueiro que ofereça a comida no dia seis, mas é na data de Santa Bárbara que o local fica cheio de gente. Além de atraídos pelo caruru e pelos quiosques de bebida, muitos vão ao altar dedicado às guerreiras, que fica logo aos fundos, para depositar flores, acender velas, pedir uma graça ou agradecer pela proteção. Essa capelinha guarda uma imagem de Bárbara, com cerca de um metro de altura, que divide espaço com uma pequena representação de Oiá e outra de São Jerônimo (associado a Xangô). Em geral, considera-se que a hora de comer é depois de todas as obrigações sagradas. Ainda mais se for o tradicional caruru de Santa Bárbara, servido, apenas, depois que a romaria passa. Do banquete, famoso pela quantidade ofertada no dia quatro, é comum ouvirmos falarem que foi preparado com alguns milhares de quiabos, mas nada como o registrado pela imprensa em 2006: “A ialorixá Risalva Silva Soares, 58 anos, resolveu compensar todos os benefícios recebidos de ‘sua mãe’ Iansã oferecendo hoje, Dia de Santa Bárbara, um caruru recorde com 77 mil quiabos. No total, serão distribuídas entre os devotos 10 mil quentinhas” (Correio da Bahia, 04 de dezembro de 2006, p. 01). 63 O caruru era, de início, ofertado apenas ao rei Xangô e à esposa Oiá em rituais sagrados. A receita geralmente utilizada nas cerimônias litúrgicas é conhecida também como amalá. Para alguns, a diferença entre os dois estaria, somente, na maneira de o quiabo ser cortado: se for em pedaços pequenos (fazendo uma cruz no diâmetro) é caruru (também oferecido aos santos gêmeos Cosme e Damião), mas se for em rodelas ou tiras diagonais é amalá. O fato é que esse preparo de fruto, azeite de dendê, cebola e castanhas ganhou o povo e é tradicionalmente consumido no Centro Histórico de Salvador durante a Festa de Santa Bárbara. afrodescendentes, que as mulheres precisavam trabalhar para criar seus filhos e para ter o que comer. Assim, pediram a Oiá/Iansã que as atendesse. Ouvindo os pedidos das mulheres, Oiá lhes ensina como preparar o acarajé. Conhecendo a receita e o preparo, as mulheres começam a fazer acarajé para vender em tabuleiros nas ruas, conseguindo dinheiro e trabalho, o que lhes garante autonomia e dignidade. Daí o costume das baianas de acarajé da Bahia de dizerem que Oiá é a mãe do tabuleiro” Um grupo que não falta à festa é o de vendedores ambulantes de fitinhas de Dia 04 de dezembro O cheiro ainda é da noite que mal foi embora. O calçamento de paralelepípedo do largo amanhece, muitas vezes, molhado, ou pelos jatos de água despejados para a limpeza antes da folia ou porque chove mesmo. Em 2005, choveu e relampejou tanto que era de se esperar não haver comemoração alguma no dia seguinte. Ledo engano! Quem conhece a Festa de Santa Bárbara garante que toda véspera chove e que isso é sinal de muita fartura no próximo ano. Eparrei, Oiá! Às cinco horas da manhã, da porta da Igreja do Rosário dos Pretos, os estampidos dos fogos anunciam a alvorada que dá início à festa a Santa Bárbara, no Pelourinho. Aos poucos, a frente da capela vai sendo colorida de vermelho e branco, tomada por devotos da guerreira ou das guerreiras. Quem não podia deixar de comparecer chega mesmo em trajes dignos de festa: as baianas. Com suas saias de bicos bordados, muitas vezes em richilieu, sobrepostas, e suas batas de babados, pulseiras e anéis, se ornam, sobretudo, com símbolos das religiões de matriz africana: colares de contas coloridas – cada cor dedicada a um orixá – e, às cabeças, os torços, completando a indumentária ritualística, mas, principalmente, tradicional. Santa Bárbara e do Senhor do Bonfim, patuás e outros artigos religiosos e de superstição popular. Atraídos pela freguesia garantida do dia, trazem, ainda, flores e pequenas imagens de Bárbara, pois é costume que fiéis levem-nas ao altar para serem abençoadas, garantindo proteção. Entre seis e seis e meia da manhã, as portas da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos são abertas. A nave é especialmente enfeitada para o dia de Bárbara. Bandeirolas vermelhas vão de um lado a outro. No altar parece nunca sobrar espaço para mais nada, diante de tantas flores naturais que trazem as cores do dia. Antes mesmo de sete da manhã, muitas vezes, já não há mais lugar para se sentar. Os fiéis se acomodam onde acham espaço porque, em pouco tempo, fica difícil até entrar na capela. Muitas pessoas chegam com flores, fitinhas e outros objetos que simbolizam uma oferenda a Bárbara ou a Oiá, em agradecimento a uma ajuda ou para pedir graças. Dos que estão lá, muitos têm histórias para contar que envolvem as guerreiras, enquanto outros, porque nasceram no dia 04 de dezembro. Algumas mulheres ali, inclusive, foram batizadas com o nome Bárbara em homenagem à santa. Entre sete e oito horas, é realizada a primeira missa do dia: “Em nome do Pai, No catálogo “Eparrei, Bárbara. Fé e festas de largo do São Salvador” (2004), Raul Lody indica um por que para a presença dessas mulheres: “Bárbara, santa e dona do acarajé, apresenta-se para o povo-de-santo, em especial paras as baianas de acarajé, como Iansã, Oiá, Matamba, Bamburucema, entre outros nomes sagrados. Dizem os itans, lendas, tradições orais 64 em nome do Filho e em nome do Espírito Santo é que estamos aqui para louvar Santa Bárbara...”. A história de vida da mártir católica é sempre lembrada e, como de costume, a ladainha segue acompanhada ao ritmo dos atabaques. Em nenhum momento do tríduo a igreja fica tão cheia como no dia quatro. A entrada da Rosário dos Pretos fica tomada de fiéis, que continuam chegando, pois, além dessa, uma missa campal também é realizada. 65 Assim como no Pelourinho, o Mercado de Santa Bárbara fica bastante movimentado desde logo cedo. No altar em homenagem às guerreiras, são depositadas muitas velas e flores. Nessa capelinha, quem recebe os fiéis são, em geral, mulheres vestidas com trajes dos cultos afro-brasileiros, como as baianas de Oiá. Elas estão ali não apenas para recepcionar, mas algumas funcionam como as equédis dos rituais afro, responsáveis por cuidar dos “encantados” durante as incorporações, pois os “contatos mediúnicos” não são estranhos nessa data. Entre nove e dez da manhã, a Praça José de Alencar fica tomado pelos que aguardam o início da missa campal, a segunda do dia e que vem se tornando a celebração principal por conta do número cada vez maior de fiéis que reúne. No palco que é armado em frente à Fundação Casa de Jorge Amado, imagens de Bárbara e decorações com tecidos vermelhos marcam o dia que, além de missa, tem muita música depois que os andores passam. A celebração campal é como na igreja: entre a ladainha do padre e o toque dos atabaques. Entretanto, nessa missa tudo parece mais expansivo. Os “vivas” a Bárbara recebem a força da voz de uma multidão, enquanto o ofertório, que antes atravessa apenas a nave da Rosário dos Pretos, ganha o Largo do Pelourinho, a partir da igreja, até o palco-altar. No ofertório da cerimônia, uma curiosidade é que, além de os simbólicos pão e vinho (ou uva) que são levados até o altar, como representação católica do corpo e do sangue de Jesus Cristo, cestas com acarajés também podem ser vistas. O bolinho frito de feijão é comum nos rituais dedicados a Xangô e Iansã. Outro detalhe é que, algumas vezes, membros das devoções dançam fazendo movimentos que remetem às liturgias do candomblé. Isso demonstra claramente o diálogo religioso. Geralmente, estandartes com motivos de Bárbara abrem o cortejo. Então, os santos ganham as ruas. Senhor do Bonfim, Santo Antônio, São Jorge, São Lázaro, São Sebastião, os gêmeos Cosme e Damião, Nossa Senhora da Guia, São Miguel, São Roque e São Jerônimo saem em seus andores sob uma salva de palmas. São levados por membros das devoções e acompanhados, muitas vezes, pelo Hino do Senhor do Bonfim. Antes de seguir pela Rua Gregório de Mattos ou pela João de Deus em direção ao Terreiro de Jesus, cada imagem é saudada em frente ao palco: “Santo Antônio, rogai por nós...”, “São Jerônimo, rogai por nós...”, enquanto alguns devotos tentam tocá-las. Depois que todos os outros andores já estão na procissão, os membros das devoções abrem passagem, rapidamente, pois, enfim, lá vem ela: Santa Bárbara ganha os braços do povo. A multidão, que já não se contém, aplaude e grita. O axé da guerreira contagia o Pelourinho. É um momento de euforia às portas da igreja. A emoção do público vem à tona em lágrimas, gritos, palmas e manifestações mediúnicas. “Viva Santa Bárbara!” – dizem do palco –“Viva!” – clama o povo. O tapete vermelho toma as ruas estreitas do Pelourinho. Das sacadas e janelas dos casarões, as pessoas soltam papéis picados e flores e gritam louvores aos santos que passam. Os primeiros andores seguem calmamente, em ordem, enquanto a Senhora da festa é arrastada pelo povo. Um verdadeiro mar de gente disputa cada centímetro mais perto da santa. Uma barreira de policiais e homens das devoções é montada para evitar que as pessoas tomem os andores, mas não é tarefa fácil conter a multidão. Seguindo a procissão, muitas pessoas compartilham relatos de graças alcançadas por intermédio de Bárbara ou de Iansã. No Terreiro de Jesus, mais fiéis aguardam o cortejo junto com a fanfarra do Corpo de Bombeiros, que acompanha a festa há pelo menos 60 anos. As praças do Cruzeiro de São Francisco, Sé e Tomé de Souza ficam lotadas. A romaria toma o Centro de Salvador e segue descendo a Ladeira da Praça, rumo ao 1º GBM. Um padre do Corpo de Bombeiros fica de prontidão para benzer os andores sagrados e os seguidores do cortejo. Quando a imagem de Bárbara chega ao Batalhão da Barroquinha é recebida com o toque da sirene dos “soldados do fogo”. 67 A procissão de Bárbara Logo após a segunda missa, as milhares de pessoas no largo voltam-se à Capela do Rosário dos Pretos na expectativa da saída dos andores. A crença em uma única guerreira, feita por uns, tem origem no processo histórico, datado ainda do período colonial, da associação entre os chamados deuses nagôs e os santos católicos. Contudo, muitas pessoas, mesmo fazendo separação entre as duas figuras religiosas, vão à festa pela tradição de cultuar Iansã no Dia de Santa Bárbara. Por isso, o Pelourinho fica cheio e a romaria é sempre aguardada com ansiedade. 66 Conta-se que a relação dos soldados bombeiros com a santa foi estabelecida por populares, depois de um grande incêndio no início do século XX. Provavelmente, um de 1908, que, depois de uma explosão de fogos, destruiu não apenas a loja de um senhor chamado Arsênio dos Santos Pereira, mas todo um quarteirão do bairro do Comércio. A lógica seria que, se Bárbara “tem poder” sobre o fogo, os bombeiros que o controlam teriam, por conseguinte, vínculo com ela. Independente de qual tenha sido a origem dessa associação, está configurada uma estrutura tradicional da festa contando com a Igreja do Rosário dos Pretos, o Mercado de Santa Bárbara e o Corpo de Bombeiros da Barroquinha. Entre eles, o cortejo que adentra, inclusive, o pátio do quartel, onde uma terceira missa é organizada pelos bombeiros. Mesmo com a proibição da entrada do povo no 1º GBM, com a passagem do cortejo de Bárbara, a Praça dos Veteranos fica pequena para tanta gente. A essa altura, ninguém mais tem nome ou patente, são todos filhos da guerreira; das guerreiras. Palmas, orações e cantorias impregnam a rua, principalmente quando, depois de breve discurso, o padre dá vez para que os soldados do Corpo de Bombeiros despejem jatos de água benta, de um auto-bomba-tanque, sobre a multidão. A procissão agora chega à reta final. Os andores seguem a caminho da última parada, antes do retorno à Capela do Rosário dos Pretos: o Mercado de Santa Bárbara. A concentração de pessoas no cortejo é menor depois da chegada à Barroquinha, pois começa a ser servido o caruru e muita gente fica para aproveitar a iguaria. Mas, quem segue, ainda tem muito chão pela frente. Na contramão da J.J. Seabra, o povo Contudo, em 2006, devido às condições físicas do prédio, apenas o andor carregado por membros das devoções da Igreja do Rosário dos Pretos entrou no 1º GBM. A determinação, oficializada em 30 de novembro, levou a terceira missa, que é, em geral, realizada por um padre da corporação, ao pátio do Comando de Operação de Bombeiro Militar, no Iguatemi. A notícia foi anunciada na imprensa: “O risco de desabamento do edifício onde funciona o Primeiro Grupamento de Bombeiros de Salvador forçou uma mudança nas tradições da Festa de Santa Bárbara, realizada sempre no dia 4 de dezembro e marco de abertura do calendário de festas populares da capital baiana. Santa Bárbara é madrinha dos Bombeiros e a habitual entrada da procissão no pátio do edifício para abençoar os integrantes da instituição, na Ladeira da Praça, foi cancelada. Na última quarta-feira, o Ministério Público Estadual recomendou a interdição do prédio por motivos de precariedade nas instalações”. (A Tarde, 02 de dezembro de 2006, p. 09) bebe e dança sob o sol forte. Muitos vendedores ambulantes também acompanham a procissão, não para vender patuás ou santinhas, mas com caixas de isopor repletas de água mineral e cerveja. Com o calor que geralmente faz, as vendas são certas! Quando a mártir católica, senhora dos raios e trovões, chega à antiga casa, fogos anunciam. A imagem que desfila hoje é a mesma que pertenceu ao mercado antes de ser doada à Capela do Rosário dos Pretos no final da década de 1980. O andor de Santa Bárbara, finalmente, conquista o último destino da romaria. Agora, mais salva de palmas e emoção à flor da pele, como na saída do cortejo. Os corredores estreitos do mercado de Santa Bárbara já não comportam a quantidade de pessoas que a procissão traz. Por isso, nem sempre o andor adentra o espaço e as saudações são feitas às portas do prédio, que chega a receber dez mil pessoas na data. Enfim, os santos retornam à Igreja do Rosário e é encerrada essa parte religiosa da festa. Quem, por ventura, perde o horário da procissão, pode visitar a capelinha do mercado, que fica aberta até mais tarde, e fazer seus pedidos, suas orações. Enquanto isso, as músicas em louvor a Bárbara e a Senhor do Bonfim vão sendo substituídas por canções de axé music, samba, pagode, arrocha e tudo mais quanto é ritmo que esteja na moda. Na Praça José de Alencar, que fica tomada por barraqueiros e pelos que aproveitam os shows, os “vivas” a Santa Bárbara vão dividindo espaço com as sauda- Essa decisão transferiu, também, além da missa, um pequeno encontro entre imagens de Santa Bárbara de seis grupamentos militares da Região Metropolitana de Salvador. Essa reunião começou a ser promovida no quartel, em meados de 1990, pelo senhor Arivaldo Vigas, ou Seu Ari, da Casa de Caridade de Omolu e Obaluaê. Ficou acordado que, até que o Batalhão da Barroquinha estivesse todo recuperado, a primeira parte de celebrações dos bombeiros seria feita no quartel do Iguatemi. 68 69 ções “Eparrei, Oiá” e “Saravá, Iansã”. Nas vielas do Pelourinho, no Mercado de Santa Bárbara, na Praça dos Veteranos, de onde vem sendo distribuído o “caruru dos bombeiros”, e em outros lugares do Centro Histórico, se encontra gente comendo, bebendo, dançando e aproveitando o Dia de Santa Bárbara. Ao cair da noite, Salvador vai dizendo adeus à festa. O branco-e-vermelho das roupas dá espaço ao cinza das pedras cabeça-de-nego do chão, no Centro Histórico. Na manhã seguinte, o Pelourinho fica vazio, se comparado ao dia quatro, e os únicos indícios da Festa de Santa Bárbara são as bandeiras ainda presas às varandas dos casarões, as oferendas que ficaram na capelinha do Mercado e o altar da Rosário dos Pretos, ainda decorado. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BAHIA, Secretaria de Saneamento e Desenvolvimento Urbano. CEDURB. 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Quando, no atual Bairro do Comércio, na Cidade Baixa de Salvador, populares se reuniram para festejar Santa Bárbara, foi marcado, naquele momento, o início de um dos eventos mais peculiares de uma identidade baiana atual. Toda essa mistura de religiosidades mantém as histórias de Santa Bárbara e Iansã unidas e arraigadas à cultura de Salvador. Ainda que, em mais de 300 anos, a festa tenha ganhado novas características, como a missa campal no Pelourinho, a presença apaixonada do povo é marcante. Assim, em 04 de dezembro de 2004, foi publicada no Diário Oficial do Estado da Bahia uma notificação pública, provisória, garantindo à Festa de Santa Bárbara a preservação das características mínimas que a compõem. O documento garantia a salvaguarda da identidade cultural da Bahia naquela cerimônia anual de devoção; de celebração pública da diversidade. Em junho de 2008, finalmente, os conselheiros de Cultura do Estado deram parecer favorável à inscrição do festejo no Livro de Registro Especial dos Eventos e Celebrações. E no dia 03 de dezembro, o Governador Jaques Wagner assinou o Decreto número 11.353/08 registrando como Patrimônio Imaterial da Bahia a Festa de Santa Bárbara. 70 LEAL, Geraldo da Costa. Salvador dos contos, cantos e encantos. Salvador: Gráfica Santa Helena, 2000. LODY, Raul. Eparrei, Bárbara. Fé e festa de largo do São Salvador. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2004. (Catálogo da Exposição realizada na Galeria Mestre Vitalino, 2005). LODY, Raul. Para louvar o vermelho. Rio de Janeiro: CNFCP, IPHAN, 2005. LODY, Raul. Dicionário de arte sacra e técnicas afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2003. LODY, Raul. O povo do santo: religiões, história e cultura dos orixás, voduns, inquices e caboclos. Rio de Janeiro: Pallas, 1995. MAGALHÃES, Elyette Guimarães de. Orixás da Bahia. 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